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10% dos mortos por Covid-19 na Capital moravam em outras cidades

Dos 5.095 óbitos anotados pelo Portal da Transparência dos Cartórios do Brasil, 513 deles ocorreram com não residentes de Fortaleza. Maior número de falecimentos ocorreu entre maio e o início de junho

A distância com a qual vários fortalezenses têm de lidar durante a pandemia do novo coronavírus, muitas vezes, se resumia ao espaço entre a sua casa e o hospital no qual um parente querido está internado. Com os diversos relatos de falta de informações dos quadros clínicos de pacientes, vários familiares podiam ser vistos nas entradas de unidades de saúde espalhadas por toda a Capital. Apesar de todas as dores e angústias, essas pessoas tinham a proximidade como alento. E quem não tinha nem isso?

Pelo menos 513 pessoas que morreram em decorrência da infecção viral em Fortaleza não tinham residência firmada aqui na Capital. É o que aponta o Portal da Transparência dos Cartórios, disponibilizado pela Central de Informações do Registro Civil. O número representa 10% de todos óbitos provocados pela Covid-19 na cidade, a qual registrou, segundo a plataforma, 5.095 casos fatais entre 16 de março e 18 de agosto. Dos 513 falecimentos de não residentes em Fortaleza, 511 ocorreram em hospitais, nos leitos de atenção direcionados à doença, outros dois foram registrados como “em domicílio”. Já com relação à raça, 375 dessas pessoas eram pardas, 111 brancas, 21 pretas e 6 foram inseridas como “raça ignorada”. De acordo com dados do Registro Civil, os picos de mortes desses pacientes ocorreram entre o início do mês de maio e a metade de junho de 2020. Em pelo menos três datas distintas, 11 pessoas de outros municípios morreram na Capital em decorrência da enfermidade.

Apesar do índice de 10% de proporção entre mortes de não residentes e moradores de Fortaleza, há outras capitais brasileiras que apresentaram proporções superiores. Na dianteira, a cidade de Belém, no Pará, registrou 19,8%. Em seguida, vêm São Luís (MA), com 16,9%; Vitória (ES), com 16,5%; e Rio Branco (AC), com 13,4%. Contudo, a cidade cearense ficou na frente de municípios como Rio de Janeiro (RJ) – 9,9%; Manaus (AM), com 8,3%; e Salvador (BA), também com 8,3%.

Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, o secretário da Saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, afirmou que, apesar de a cidade de Fortaleza já ter remanejado para outras áreas mais de 600 leitos exclusivos de Covid-19, ela ainda recebe pacientes de diversas cidades do interior. “Eles vêm principalmente do Sertão Central, mas hoje menos, por causa do Hospital Regional do Sertão Central (HRSC); e do Litoral Leste”. Conforme o titular da Sesa, porém, as transferências não se restringem à doença provocada pelo coronavírus, pois “ainda vem muito paciente pra Fortaleza para atendimento de câncer, de infarto, grande parte ainda vem para o Hospital de Messejana”, cita Cabeto.

Interior

No fim de junho, o secretário afirmou que o sistema de saúde disposto na Capital recebia entre 5 e 10 pessoas por dia vindas, especialmente, da Região Norte e Região Sul, de municípios como Acaraú, Granja, Camocim e Itarema, com alguns de Santa Quitéria. “Da Região Sul, a gente tem mais do Centro-Sul, mas também há pacientes do Litoral Leste porque nós não inauguramos ainda o Hospital Regional de Limoeiro, que deve ser inaugurado agora no segundo semestre. A partir daí, a transferência para Fortaleza vai reduzir”, informou à época.

Exemplo de caso de saída do município de origem, Rosimeire dos Santos, 34, viu o pai, João Malaquias, de 83 anos, sair de Itapipoca, do distrito de Tabocal, para buscar o tratamento para a Covid-19. Ainda no fim do ano passado, João já havia começado tratamento para um princípio de doença cardiovascular, com previsão para fazer um tratamento específico para a questão em Fortaleza. Porém, a vinda para a capital foi por outro motivo.

“Ele vinha desenvolvendo a doença do coração, tinha falta de ar, sentiu dor muito forte. Adoeceu em uma sexta do mês de junho e veio a óbito no domingo”, relata a filha com tristeza. De início, ela explica, os familiares foram “despreocupados em relação ao coronavírus”, visto que os médicos não chegaram a detectar a doença no primeiro momento. Saído de uma Unidade de Pronto Atendimento em Itapipoca e transferido em helicóptero, João Malaquias foi internado no Hospital do Coração de Messejana, onde foi alocado em Unidade de Terapia Intensiva rapidamente após a chegada. Ainda assim, o diagnóstico positivo para a infecção pelo SARS-CoV-2 veio somente com a confirmação da morte após uma parada cardíaca.

“Eles foram fazer um cateterismo e deu a parada. Dela, ele não acordou mais”, lamenta Rosimeire. O falecimento ocorreu, de fato, no dia 28 de julho e, junto da tristeza, também surgiu a incerteza sobre o motivo da perda do pai. “O médico veio a dizer para a gente quando meu irmão foi reconhecer o corpo que não poderia mais ter velório porque tinha dado Covid”, diz ao elencar apenas a falta de ar como um dos sintomas do familiar semelhantes aos já conhecidos causados pelo novo vírus.

Agora, ela também conta, sobraram as lembranças de carinho da relação paterna. “Meu pai era uma pessoa tão extrovertida, sorridente, fazia amizade com qualquer pessoa. Chegavam lá em casa e ele tinha o prazer de atender. Dizia: “entre meu filho, vamos tomar um café, bote mais água no feijão. Se eu ficar bom, vou voltar a trabalhar de novo”, finaliza.

Atendimento

Ainda que as dificuldades sejam ressaltadas neste momento, o movimento de pacientes entre cidades para tratamentos específicos é algo comum pelo Sistema Único de Saúde. É isso que explica o infectologista Luciano Pamplona ao deixar claro que o caráter universal e a estratégia do SUS preveem atendimentos em diferentes localidades. “Ele não limita que as pessoas mudem de um local para outro, por exemplo. Também faz parte a questão de que, para otimizar recursos, tenhamos municípios-polo, que são os que, dentro da região onde se está, possuem uma estrutura maior”, afirma o especialista.

De acordo com Pamplona, dessa forma, esses locais recebem investimentos maiores em relação à rede terciária, com leitos de UTI, e outros municípios podem ter o foco dos recursos na atenção básica e secundária. “Sendo Fortaleza um município-polo para a Região Metropolitana e também muitas vezes para outras cidades, esse movimento de pessoas sendo atendidas aqui, saídas de outros locais, e também desses falecimentos de pessoas de outras cidades na Capital, não é algo incomum por conta desse fator”.

Além disso, ele também aponta, essa tendência pode afetar o quadro da infecção na cidade que recebe os pacientes, entretanto, neste momento, a influência desse processo em Fortaleza não aparenta ter sido uma característica prejudicial. “Esse fluxo de pessoas é pequeno e as pessoas que chegam, por exemplo, fazem esse movimento de máscaras e com alguns cuidados, o que não parece ter sido o maior fator de influência nos números da doença”, encerra.

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Marcio Sousa

Editor chefe, Radialista profissional e Diretor de Programação da Taperuaba 98,7 FM

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