Poluição e Covid: combinação na pandemia preocupa especialistas
Boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado chama atenção para “combinação perigosa” entre a poluição do ar e o novo coronavírus
O confinamento que vigorou em alguns meses de 2020 pode até ter reduzido a emissão de gases poluentes para a atmosfera, mas os dados de frota veicular e de queimadas no Estado seguem preocupantes. Um Boletim Epidemiológico recente da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) cita, inclusive, a “combinação perigosa” entre o novo coronavírus e a poluição do ar, que vem sendo estudada por pesquisadores em todo mundo desde o início da pandemia.
Atrás apenas da Bahia (4.483.787), no Nordeste, o Ceará registrava, até novembro de 2020, 3.379.650 veículos, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O boletim da Sesa faz referência a um número menor, de 3.353.565, considerando até 16 de novembro. Mas alerta para o fato de que o monóxido de carbono, gás levemente inflamável, inodoro e muito perigoso devido à sua grande toxicidade, pode causar dores de cabeça leves, náuseas e sintomas de envenenamentos moderados.
Já em relação às queimadas, o documento destaca que, no período de 1º de janeiro de 2020 a 25 de novembro, ocorreram 47.376 focos de calor no Ceará, conforme o banco de dados de monitoramento de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entre os principais municípios incidentes de fontes de calor estão Icó (1.649 focos); Santa Quitéria (1.461); Acopiara (1.408); Ipueiras (1.314); Mombaça (1.251); Sobral (1.246); Crateús (976); e Jucás (874).
Considerando que um adulto médio inala e exala em torno de 7 a 8 litros de ar por minuto enquanto está em repouso, totalizando pelo menos 11 mil litros por dia, respirar um ar poluído pode trazer uma série de enfermidades. “A inalação de fuligem ou fumaça com material particulado – geralmente referenciada em tamanho por micrômetros, MP10, MP2,5 e MP1 – escurece os pulmões e causa desconforto respiratório e cardíaco, além de doenças como asma e câncer”, destaca o boletim.
Mas o documento vai além, citando um estudo recente do Fórum de Sociedades Respiratórias Internacionais a partir do qual se atribui à poluição do ar a contribuição para uma série de doenças e complicações, desde diabetes e demência até problemas de fertilidade e leucemia infantil.
“Poluentes tornam as pessoas mais suscetíveis aos vírus, o que se manifesta, sobretudo, naquelas que já têm doenças cardiovasculares ou respiratórias. Nos dias atuais, coronavírus e poluição do ar podem ser uma combinação perigosa”, aponta o boletim.
De acordo com o presidente da Sociedade Cearense de Pneumologia e Tisiologia, Ricardo Coelho Reis, as partículas de poluição podem lesar diretamente o tecido pulmonar, causando inflamação, deixando os pulmões mais suscetíveis às infecções, incluindo a Covid-19, alergias e neoplasias, como o câncer de pulmão.
“A liberação de gases e partículas sólidas no ambiente é sempre preocupante. Aqui no Ceará, a gente vê muitos problemas alérgicos respiratórios associados ao período de queimadas, por exemplo, então é sempre uma preocupação”, reforça Ricardo.
Sobre a piora no quadro de Covid-19, quando o paciente é exposto em um ambiente poluído, “indiretamente, sabemos que o pulmão vai estar mais vulnerável, mas não há dados que abordem diretamente sobre essa associação e a piora clínica ou óbito”. O pneumologista reflete que a população deve procurar se prevenir da poluição. “Evitar queimadas, não praticar exercícios ao ar livre em vias muito movimentadas em horário de pico, evitar churrascaria e queima de carvão”, detalha.
Estudos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição do ar é responsável por 7 milhões de mortes por ano em todo o mundo. Já um estudo publicado no fim de outubro na revista Cardiovascular Research avalia que essa exposição de longo prazo aumentou em média 15% o risco de morte por Covid-19.
Uma possível vulnerabilidade maior ao coronavírus por pessoas em contato com o ar contaminado também foi detectada em relatório publicado em novembro, na revista Science Advances. Conduzida por pesquisadores de Harvard, diante de dados de emissões atmosféricas de mais de 3 mil condados nos EUA, a análise se concentrou especificamente em pedaços de partículas conhecidas como PM2.5. As descobertas indicam que a exposição a longo prazo a cada micrograma adicional de PM2.5 por 1 metro cúbico de ar aumenta a taxa de mortalidade de Covid-19 em 11%.
No entanto, um editorial que acompanha essa última pesquisa, escrito por outros pesquisadores que não estavam envolvidos no estudo, faz o seguinte alerta: “A maneira ideal de responder às questões sobre como a poluição por PM2.5 pode influenciar o curso da pandemia envolveria o estudo de conjuntos de dados de saúde detalhados para um grande número de pessoas de todas as esferas da vida e locais”. O trabalho dos cientistas para entender essas correlações, portanto, deve continuar.
No estudo “Avaliação do impacto na saúde oriundo da poluição do ar na Região Metropolitana de Fortaleza”, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) investigaram a relação entre a poluição atmosférica, doenças cardiorrespiratórias e as consequências econômicas de internação para a saúde pública. Foram usados dados sobre a poluição em Fortaleza, entre 2015 e 2017.
Segmentados por cenários, os resultados mostram, em um primeiro exemplo, que entre os anos analisados, a redução de curto prazo de 5 microgramas (um milionésimo de grama) por metro cúbico de ar das partículas grosseiras (PM10) teria evitado mais de 130 hospitalizações relacionadas a doenças cardiorrespiratórias, e a redução de 20 microgramas por metro cúbico de ar dessas mesmas partículas teria evitado 410 internações. Isso representaria uma economia de US$ 62 a 191 mil (preços de junho de 2018), nesta ordem.
No quesito poluição do ar, Fortaleza, segundo o estudo, ainda tem vantagens em relação a outras metrópoles, como a velocidade dos ventos. “No entanto, a verticalização dos lugares, construção de prédios gigantes, associado ao grande fluxo de veículos, como acontece no Meireles, prejudica a qualidade do ar”, coloca o professor Rivelino Cavaltante, do Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos do LABOMAR/UFC, também integrante da pesquisa.
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