Educação

Iniciativas remotas fortalecem educação de jovens no Ceará

Crianças e adolescentes se reúnem por meio de redes sociais para desenvolver atividades lúdicas, de leitura e de combate à violência no período com restrições para encontros presenciais

Grupos cearenses receberam as restrições para encontros presenciais, desde a chegada do novo coronavírus, como soma ao desafio antigo de levar formação de qualidade às crianças e adolescentes. Essa missão ganha novo cenário em videochamadas e trocas de mensagens com o trabalho de projetos comunitários para incentivo à leitura, debates sobre o enfrentamento à violência ou a continuidade dos estudos remotos da maneira mais efetiva possível. No contexto em que as salas de aulas e os projetos sociais estão fechados por causa da pandemia, voluntários e educadores se mobilizam para continuar transformando a realidade dos jovens no Estado.

Dessa própria juventude surgem iniciativas como a dos Jovens Agentes de Paz (JAP), no Bom Jardim, que reúne adolescentes em eventos culturais e diálogos sobre os impactos da violência na Capital, em transmissões na internet. “Esse processo contínuo tem de permanecer para que a gente consiga manter essa juventude ativa e pensante no que é certo para o território e para eles mesmos. A gente está nessa luta, ao se desdobrar na pandemia, mas tentando manter a cabeça dessa juventude ligada”, observa a participante Marly Pereira, 26.

Ela lembra de ganhar novas perspectivas para a própria vida ao entrar no projeto, criado há nove anos, e hoje pode acompanhar também a transformação no rumo de outros estudantes. “A gente realizava atividades, nas cinco escolas do Grande Bom Jardim, de direitos humanos e mediação de conflitos, para tentar trazer um pouco da cultura de paz para dentro das escolas. Então a gente fazia roda de diálogos, brincadeiras interativas, uma coisa de juventude para juventude”, ressalta.

As limitações para os encontros físicos, de certa forma, já eram vivenciados antes da pandemia da Covid-19 devido à imposição de organizações criminosas. Assim, as ações presenciais para reunir jovens de vários bairros exigem muito esforço e não foi possível ser realizadas como o esperado, mas nem por isso os encontros foram adiados. “A gente embarcou nesse mundo de rede social e começou a criar eventos online para que a juventude pudesse participar. O Entre Guetos é um evento presencial e a gente transformou em online”, exemplifica. No encontro, 24 artistas locais e de outros estados fizeram lives e falas sobre os desafios do jovens das periferias.

Leitura

Essa migração para o ambiente virtual também aconteceu no clube de leitura das crianças atendidas pela biblioteca comunitária Livro Livre Curió. No terceiro mês de isolamento, lembra o mediador de leituras Talles Azigon, 31, os usuários começaram a pedir transmissões pela internet. “Minha mãe começou enviar livros para casa das crianças e a fazer live uma vez por semana. No começo de agosto, a biblioteca reabriu só para empréstimo e as lives passaram a ser temáticas, explorando nosso acervo. Todas as crianças do clube, umas 25, querem participar da live agora. As mães, e até pessoas de fora, pedem para ser chamadas”, destaca.

Talles explica que esse interesse pelas ferramentas digitais pode ser bem aproveitado para o incentivo à leitura e, na biblioteca comunitária, foi a missão da mediadora Rita de Cássia. “Assim, além de intensificar a prática leitora, ela ainda consegue promover educação digital, e ainda trabalha habilidades comunicativas e sociais com as crianças”, observa.

“A gente enxerga nessa iniciativa uma oportunidade de conectar as crianças e adolescentes das periferias, fazendo um intercâmbio sociocultural desde cedo. Ainda que voltem às atividades normais, o uso da internet não será o mesmo, e fazer desse uso também um espaço de leitura é mais que uma obrigação nossa. O que inclusive deveria receber um olhar de mais seriedade das outras esferas da sociedade”, reflete.

No entanto, o acesso à internet e a disponibilidade dos responsáveis para ajudar as crianças a participar das transmissões virtuais de leitura se mostram como limitantes para algumas famílias, como observa o mediador.

Conexão

Para garantir a inclusão de todos os estudantes na continuidade do ensino remoto, projetos escolares anteriores à pandemia também contribuem para o controle daqueles que não possuem acesso às aulas online. “Logo no início foi complicado descobrir quem tinha internet, a gente fez pesquisas e ia tentando entrar em contato com eles pelo grupo da turma no Whatsapp”, lembra o professor de Artes e Educação, Timóteo Monte.

Ele notou a ausência de um estudante entre o grupo de 48 pessoas que acompanha por meio do projeto Diretor de Turma das escolas estaduais. Em diálogo com os colegas, Timóteo descobriu que o aluno não possuía celular e fez o percurso inverso do discente que mora há quase 60 km de onde estuda, em Itapebussu.

“Têm alunos que não têm internet de jeito nenhum. A gente pega as atividades e deixa com o coordenador, para que eles levem e nos devolvam em seguida”, explica.

As consequências negativas do período sem ensino presencial são planejadas compreendendo as disciplinas tradicionais e questões psicológicas, como explica o educador. “Além das aulas de conteúdo normal, a escola se preocupa de forma muito holística. Uma das preocupações da gente, quando voltar, é de pegar primeiro os alunos que estão com notas baixas, sem internet e depois trazendo os outros (menos prejudicados)”, detalha.

São 5.769 professores e mais de 200 mil alunos participantes do Professor Diretor de Turma, como registra a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). A iniciativa, explicou a pasta em nota, “tem como objetivo promover um diálogo constante do aluno, com seus familiares, com a direção da escola e seu corpo docente, buscando evitar a evasão escolar”. O professor acompanha a mesma turma até a conclusão do ensino médio para a identificação das vulnerabilidades e ações necessárias.

Perspectivas

“Uma vez que você consiga alcançar alunos, mesmo de forma remota, e poder mantê-los conectados ao estudo, manter certo tempo direcionados à Educação, sem dúvida isso acaba diminuindo a propensão desse público às situações de violência”, analisa o professor Jonatan Floriano da Silva do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Ceará (UFC), que trabalha também com educação a distância.

Ao seu ver, nem os educadores e nem as instituições estavam preparadas para atender um público massivo no sistema remoto, mas essa foi a alternativa encontrada durante as restrições da pandemia. “Educação remota, a princípio, tem uma vantagem enorme do ponto de vista presencial se você consegue ter uma boa estrutura, uma internet de qualidade, (pela) possibilidade que os alunos assistam às aulas e possam rever as aulas, se adequar no tempo que eles têm”. Porém, pondera, esse não é o cenário observado entre as comunidades de menor poder aquisitivo.

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Rosana Teofilo

Editora, Radialista profissional e presidente da Taperuaba 98,7 FM

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