Brasil

Como o Espírito Santo, exemplo no combate à violência, foi sitiado pelo crime

Com cenas de guerrilha urbana, a onda de insegurança que tomou de assalto as principais cidades do Espírito Santo assombra o país. A explosão de crimes nas ruas capixabas — com pelo menos 75 assassinatos em quatro dias, além de arrastões, ataques ao comércio e ônibus incendiados — causa ainda mais surpresa em razão do histórico recente do Estado, que fechou 2016 com a menor taxa de homicídios dos últimos 28 anos e se tornou exemplo no Brasil ao reduzir a superlotação e a violência nas cadeias.

A reviravolta começou a se desenhar a partir de um protesto pontual, desencadeado na última sexta-feira, em frente a um batalhão no município de Serra, na Grande Vitória. Um grupo de mulheres de PMs decidiu permanecer diante do portão para exigir reajuste salarial e melhores condições de trabalho para os agentes.

Em 24 horas, a manifestação ganhou a adesão de familiares de policiais em outras cidades e, no sábado, se alastrou pela capital e por toda a região metropolitana de Vitória, além de municípios do Interior. Munidos de faixas e cartazes, parentes de PMs passaram a bloquear a saída das viaturas e do efetivo. Resultado: as cidades ficaram sem nenhum agente nas ruas, e o caos se espalhou.

— A origem de todo o problema é a greve dos PMs, embora os militares sejam proibidos de cruzar os braços. A questão é: como o governo do Estado e o Ministério Público Militar deixaram a situação chegar a esse ponto? Por mais justas que sejam as reivindicações, é preciso reagir. Quando esse tipo de coisa acontece, é real a possibilidade de que se espalhe em ondas para outros Estados — alerta o sociólogo Arthur Trindade, professor da Universidade de Brasília e ex-secretário de Segurança no DF.

Os efeitos colaterais se multiplicaram. Pelo menos dois ônibus foram queimados. Lojistas testemunharam saques, inclusive dentro de shoppings. Arrastões difundiram pânico.

A falta de segurança levou a prefeitura de Vitória a atrasar o início do ano letivo na rede municipal e a determinar o fechamento de postos de saúde. O Ministério Público e o Tribunal de Justiça suspenderam expediente. Até os jogos da série A do Campeonato Capixaba foram adiados.

Ao longo dos últimos dias, pelo menos 75 pessoas foram mortas no Estado, uma média de 19 por dia. A título de comparação, em 2016, quando houve redução de 15% no número de homicídios, a média foi de três assassinatos diários.

A reação à crise se intensificou na segunda-feira, quando uma decisão da Justiça estabeleceu multa diária de R$ 100 mil às entidades que representam os PMs, caso não retornassem ao trabalho. O desembargador Robson Albanez confirmou a ilegalidade e chamou de “movimento grevista velado”.

No Palácio Anchieta, o governador em exercício, César Colnago — que ocupa o lugar de Paulo Hartung, internado desde o início do mês devido a um tumor na bexiga —, decidiu substituir o comandante da Polícia Militar e pedir socorro à União apenas no início da semana. Agentes das Forças Armadas passaram a atuar em Vitória na segunda-feira e, nesta terça, 200 integrantes da Força Nacional chegaram ao Estado.

As negociações com os PMs foram suspensas e, segundo o secretário estadual da Segurança Pública, André Garcia, serão retomadas quando o serviço recomeçar.

— Nossa intenção é negociar, sempre, porém deve se pautar pelo respeito mútuo — disse Garcia, em coletiva.

Em entrevista à Rádio Gaúcha, nesta terça-feira, o secretário de Segurança Urbana de Vitória, Fronzio Calheira Mota, reconheceu que o surto “pegou todo mundo de surpresa”.

— Nunca vivenciamos um momento tão crítico. Com baixos salários, havia uma solicitação (de reajuste por parte dos PMs), mas não houve nenhum fato anterior que indicasse esse nível de aprofundamento da reação da corporação. Já aconteceram, no passado, alguns fatos, mas sempre precedidos por movimentos menores. Dessa vez, foi uma paralisação de 100% do efetivo militar — afirmou Mota.

A possibilidade de haver motivação política por trás das manifestações — em razão de o governador Paulo Hartung ter decidido deixar o PMDB — é descartada pelo governo e por especialistas. Na avaliação do analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as razões da paralisação são três: salários defasados, más condições de trabalho e falta de perspectivas na carreira. Mingardi afirma que “apagões policiais” não são novidade no país — cita como exemplo as greves deflagradas em 2011 pela PM da Paraíba e pela Polícia Civil do Distrito Federal. A diferença, agora, é o risco de propagação mais elevado.

— Dessa vez, temos Estados que, além de pagarem mal, estão atrasando salários. Isso acontece no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Nesses casos, a insatisfação tende a ser maior, e os riscos, também — afirma.

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Marcio Sousa

Editor chefe, Radialista profissional e Diretor de Programação da Taperuaba 98,7 FM

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