Alta demanda gera falta de testes de Covid e longa espera para consultas nas redes pública e privada
Sem vaga em centros públicos, pacientes percorrem farmácias e laboratórios em busca de testagem
Segunda-feira, 1º dia útil de 2022. Dos 4 cearenses com Covid que você verá aqui, 3 manifestaram sintomas nesse dia. A multiplicação rápida e simultânea de casos de síndromes gripais tem tido um efeito imediato: a escassez de testes e de estrutura suficiente para comportar a demanda.
A sobrecarga afeta as redes pública e privada, onde pacientes amargam longas filas de espera para atendimento médico e dificuldade de encontrar testes de Covid e de influenza, este disponível apenas em equipamentos privados.
Quando a garganta “arranhou” e o nariz “entupiu”, a publicitária Ana Luiza Ribeiro, 32, recorreu a um teste rápido de farmácia, no município de Eusébio, para rastrear a possível infecção por coronavírus. Deu negativo. Resultado contrariado por um RT-PCR feito no posto de saúde, no dia seguinte.
Com a piora do quadro, Ana Luiza tentou fazer uma teleconsulta pelo plano de saúde, sem sucesso. “Só tinha pra dois dias à frente, então achei melhor ir ao hospital para receber atendimento médico e fazer exames, por precaução”, relata.
Para conseguir uma teleconsulta de 2 minutos pelo plano, o engenheiro Milton Fajardo, 30, precisou esperar quase 4 horas – e isso após um dia inteiro tentando, pelo menos, entrar na fila.
“Comecei a ter sintomas segunda à noite, me isolei e busquei a consulta online, porque um amigo que passou o réveillon comigo testou positivo. Na terça, tentei o dia todo, e o sistema tava lotado. No dia seguinte, consegui entrar na fila. Eu era a posição 248”, relata.
Após o atendimento, outra saga se iniciou: conseguir fazer o teste prescrito pelo médico. “Desisti de fazer pelo plano, pela lotação do local, e fui esperar 1 hora na fila da farmácia. Até que consegui e deu positivo pra Covid”, relembra.
“Nos 2 primeiros dias, fiquei derrubado. Depois disso, estou tranquilo. Minha mãe testou positivo também, mas estamos vacinados. Isso é o que me mantém tranquilo”. Milton Fajardo 30 anos
A confiança nas três doses do imunizante também sustenta a advogada Nahiana Araújo, 39, cujos primeiros sintomas gripais também surgiram no primeiro dia útil do ano. Para confirmar que era Covid, precisou desembolsar cerca de R$ 600 em testes laboratoriais.
“Entrei no Ceará App (aplicativo de serviços do Governo do Estado), para teste público, e não consegui agendar de jeito nenhum. Procurei em tudo que era de farmácia, não tinha. Consegui num laboratório, o exame de Covid e influenza, e eu e minha esposa testamos para Covid”, narra.
Os sintomas, resumidos em tosse, nariz congestionado, dor de cabeça e “moleza” no corpo, se estendem até esta sexta-feira (7), mas não a preocupam. “O sentimento que eu tenho é de tranquilidade, porque estou com as 3 doses da vacina. Confio totalmente na vacina”, sentencia.
A reportagem questionou a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) sobre a indisponibilidade de testes gratuitos, e aguarda retorno da Pasta.
Demora nos resultados
O tempo de espera para conseguir um teste, seja público, seja privado, é determinante para frear a disseminação. A estudante Marina Braga, 21, por exemplo, teve sintomas gripais leves na terça-feira (4), mas até sexta sexta (7) não conseguiu confirmar se está ou não com Covid.
“Nenhuma farmácia atendia nem respondia mensagem. No site, só tinha horário disponível para 3 ou 4 dias à frente. Passei numas 4 farmácias, 2 laboratórios, no plano de saúde e não consegui de jeito nenhum”, declara.
Após várias tentativas, a jovem conseguiu realizar o teste por meio da rede suplementar, “esperando 40 minutos só pra entrar e mais 2 horas pra coletar o exame”. O resultado só sai, em média, em três dias.
10 dias é o período pelo qual o paciente com Covid deve ficar em isolamento total para evitar a transmissão da doença, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Já Carina Torquato, 23, teve contato direto com um paciente que testou positivo para Covid, mas quase uma semana depois ainda não conseguiu testar a si, na rede pública nem na privada, para saber se foi ou não contaminada.
“Os testes são bem caros, por volta de R$ 100. Até cogitei fazer o teste rápido gratuito da prefeitura, mas pelo que eu vi não tem data disponível”, lamenta. “Dá pra perceber que a situação tá bem complicada. Tá faltando testes, os de farmácias são caros e isso por si já limita quem pode pagar e ter acesso”, complementa Carina.
“O sistema não estava preparado para essa sobrecarga”
O infectologista Ivo Castelo Branco reconhece que, “teoricamente, todos deveriam fazer exame, mas na prática não estão conseguindo”. O médico pontua que “a quantidade de pessoas com sintomas gripais é muito grande, e chega um momento em que os serviços não têm condição de dar diagnóstico”.
Ivo acredita que a vantagem do cenário é que as infecções têm sido “mais brandas”, o que se atribuiu à imunização contra a Covid. “As pessoas precisam ter atenção aos sinais de alerta. O fato de estar com dor de cabeça, febre e nariz entupido não denota gravidade”, destaca.
O também médico infectologista Robério Leite, professor de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia que a lacuna na testagem compromete a análise da real situação de disseminação da doença no Estado.
“Sem testes realizados em massa, fica muito difícil estabelecer isolamento de maneira eficaz e de entender adequadamente a situação epidemiológica e, assim, determinar política de contenção da pandemia mais acertadas”. Robério Leite Infectologista
Melissa Medeiros, infectologista do Hospital São José (HSJ), avalia que o sistema não estava preparado para uma sobrecarga tão grande de atendimentos, inclusive diante do adoecimento de profissionais da saúde.
“Temos dificuldade de atendimento, e o suporte de testes não está tão grande quanto a população que está se infectando, embora o Estado esteja correndo pra comprar. É importante a gente saber se está infectado”, pondera.
O que fazer se não conseguir teste de Covid?
Na impossibilidade de fazer o teste de Covid, a médica Melissa Medeiros alerta que o correto é manter o isolamento social, “como se estivesse com a doença”, a fim de não arriscar transmitir a outras pessoas.
A profissional também alerta para o risco da automedicação, estratégia à qual os pacientes acabam recorrendo diante da dificuldade de conseguir consultas presenciais ou online, e dá dicas importantes a quem apresentar sintomas gripais:
- Tomar bastante líquido;
- Tomar medicação para febre e dor;
- Não tomar corticoide nem antibiótico sem prescrição médica.
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