Com 2,4 mil registros, mortes em casa crescem 38% de março a julho
Nem todas as 2.465 pessoas que morreram nos domicílios foram por Covid-19, conforme o Sistema de Verificação de Óbitos no Ceará, mas, a pandemia afetou, em alguns casos, a garantia de assistência e a busca por atendimentos
No dia 23 de abril o idoso, Eliton Banhos, morador do bairro Jacarecanga, em Fortaleza morreu na própria residência. Acometido por covid, após 6 dias de sintomas, não resistiu. Assim com Eliton, entre janeiro e julho deste ano, outras 3.138 pessoas morreram em casa no Ceará, conforme dados do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) do Estado, obtidos pelo SVM via Lei de Acesso à Informação. Nem todas as mortes foram em decorrência do coronavírus. Contudo, durante a pandemia, de março a julho (dados mais atuais disponíveis) as mortes por distintas causas ocorridas nos domicílios aumentaram 38,17% no Estado. No ano passado, 1.784 pessoas faleceram em casa neste período. Este ano, foram 2.465 óbitos. Profissionais da saúde analisam que apesar das diferentes causas dos óbitos, a pandemia tem efeitos diretos e indiretos neste sintomático aumento.
A morte de Eliton, conta a filha designer, Meg Banhos, ocorreu justamente no começo da crise sanitária. Quando se sabia muito pouco sobre os procedimentos necessários. A família, explica ela, seguindo as orientações em vigor à época, optou por não levar o idoso imediatamente ao hospital. Hoje, avalia Meg, o procedimento seria outro. “Quando meu pai faleceu, dois dias depois minha mãe teve sintomas também. Pensei é melhor levar ela do que morrer em casa. Queira ou não a gente fica pensando que podia ter evitado”, avalia.
No mês que Eliton faleceu, outras 549 pessoas também morreram em casa no Ceará. Maio teve o pico de mortes domiciliares, com 967 ocorrências. É o maior número na série histórica desde 2014. Este é também o mês de maior registro de casos e de óbitos por Covid no Estado. Nos dados obtidos via LAI não há especificação das causas das mortes, mas, profissionais da saúde explicam que as pessoas que morrem em casa, em geral, não têm acompanhamento médico prévio ou não tiveram assistência adequada quando necessitam. Neste aspecto, a pandemia pode ter atuado indiretamente para o crescimento das mortes. Isto porque houve sobrecarga dos serviços de saúde, além do receio da população em buscar hospitais, principalmente, em meses mais críticos da transmissão da doença.
Os registros do SVO apontam que mortes em casa ocorreram 66 cidades, até julho. Fortaleza teve 2.563 óbitos do tipo, seguida por municípios da Região Metropolitana. Em 2019, 4.001 pessoas morreram nas próprias residências, conforme os atendimentos contabilizados pelo SVO. Este ano, com 3.139 ocorrências até julho, o Estado já registrou 78% do índice observado em todo o ano passado.
A diretora do Centro de Serviço de Verificação de Óbitos Dr. Rocha Furtado (SVO), Débora Nunes de Melo, explica que o SVO, unidade de saúde do Estado, foi criado justamente para esclarecer a causa das mortes em situações de óbito natural. Ela destaca que o Estado precisa saber o motivo do óbito em casa para entender a mortalidade populacional e elaborar políticas públicas. Dentre os atendimentos, revela, 70% são de pessoas pobres ou muito pobres. “Um contingente que não tem assistência médica”, completa.
A virologista e epidemiologista, docente da Faculdade de Medicina da UFC, Caroline Gurgel, também aponta que, de modo geral, essas mortes podem ser associadas a condições como: idoso com sintomas de AVC ou infarto que não procurou atendimento médico; ausência de acompanhamento ou rastreio de doenças crônicas e; paciente que mesmo percebendo o agravamento do seu quadro respiratório optou por ficar em casa devido à lotação das unidades de saúde na pandemia.
Ela explica que esses óbitos são evitáveis. “O problema é que o sol passou a raiar somente para o Covid 19. Negligenciando as outras doenças. Doenças do aparelho circulatório, como infarto, precisam de atenção emergencial e não tinha sistema para atender. Não somente questões estruturais, mas recursos humanos”, completa.
Procedimentos
Antes da pandemia, ao ser acionada a equipe do SVO (assistente social e médico) comparecia à residência do falecido e faziam uma entrevista clínica para tentar identificar a causa da morte a partir da documentação clínica, da história que os parentes contavam, explica Débora Nunes. Se definisse, era emitida a declaração no próprio local. Quando não era possível, o que se fazia era oferecer a realização da necropsia. Com a pandemia, em decorrência das orientações sanitárias, foi preciso adequar esses procedimentos.
“A recomendação é que não fosse feita necropsia nesse caso. Nos organizamos para não fazer necropsia nos corpos suspeitos de Covid. Posteriormente, em nenhum corpo. Com a pandemia todo óbito era potencialmente suspeito. E continuamos utilizando uma técnica que se chama autópsia verbal. Para tentar estabelecer a causa da morte. Existe um formulário padrão”, relata Débora. Após a entrevista, se identificado que se trata de um caso suspeito de Covid, o médico realiza o teste molecular na pessoa falecida. Em casos que não são suspeitos de coronavírus, a orientação é de liberação da declaração de óbito com a causa da morte. Os procedimentos seguem ainda desta forma e não há previsão de quando irão retornar a antigo modelo.
Questionada sobre o aumento das mortes em casa neste período da pandemia, Débora relata “o que a gente percebeu é que houve muitos óbitos que não foram de Covid diretamente. Indiretamente, por várias razões, a população estava com medo de procurar assistência médica e ficou em casa e houve descompensação de outras doenças, houve pessoas que procuraram mas por conta da sobrecarga não foram atendidas”. Ela também reforça que, sobretudo, em abril e maio é percebido excesso de óbitos. De acordo com ela, somente agora é que se avista um retorno dos índices aos patamares médios de anos anteriores.
SVO foi criado devido a mortes sem diagnóstico
O grande número de mortes por causa mal definida ou desconhecida impulsionou no Ceará a criação do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) em 2005, explica, Débora Nunes. O serviço foi aberto no dia 31 de maio de 2005 e naquele ano realizou 717 atendimentos.Em 2006, o Ministério da Saúde criou um rede nacional de serviço de verificação de óbitos. “Antes o IML assumia o trabalho com as mortes naturais, até que em um momento disse que não ia mais fazer as necropsias. Então, surgiu essa demanda”, conta
Na época, conforme matéria do Diário do Nordeste, o Ceará era o quarto Estado brasileiro em mortes sem diagnóstico, com um índice que chegava a 25% entre os falecimentos naturais. Quando criado no Estado, o SVO já existia em outras 12 unidades da federação.
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