Prefeituras são obrigadas a pagar o piso nacional do magistério ou podem dar outro reajuste?
O impasse está no texto da Lei do Piso que se refere ao Fundeb de 2007, antes do Fundeb permanente aprovado em 2020
Eis a questão que tem sido um quebra cabeça para gestores municipais e estaduais: o reajuste de 33,24% no piso salarial do magistério. Com o novo percentual, a base de remuneração dos professores deverá ir de R$ 2.886 para cerca de R$ 3.845 e tem impactos diretos nas contas de Estados e Municípios, que são os responsáveis, de fato, por conceder o aumento.
Entidades municipalistas têm apontado uma suposta brecha na legislação do Fundeb permanente, aprovado no final de 2020, e articulam uma nova regulamentação que reduza o percentual. A perspectiva, porém, é de que isso se arraste por meses e não se resolva antes das eleições de outubro.
Um ponto que não pode passar sem o devido destaque: o piso nacional do magistério é uma lei, instituída em 2008, após sucessivos aprimoramentos da meta de oferecer aos professores uma remuneração digna. Meta que o Brasil ainda não alcançou.
Temos um das piores remunerações aos profissionais da educação, entre 40 países avaliados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Agir em sentido oposto ao da garantia de um piso nacional é inconstitucional.
Mas qual a situação para as gestões públicas? É fato que prefeitos e governadores não querem se indispôr com as categorias, muito menos terem a pecha de que não valorizam os profissionais da educação. Por outro lado, há as contas financeiras que já estavam difíceis de fechar antes mesmo da pandemia.
Cumprir ou não cumprir o piso?
Pelo cenário estabelecido até o início deste mês de fevereiro, os gestores vivem uma situação de instabilidade jurídica e, por isso, podem protelar o cumprimento do piso salarial em 33,24% até que haja uma decisão que unifique o critério de reajuste. O impasse, no entanto, não os exíme de terem a gestão alvo de denúncias da categoria no âmbito judicial.
A resolução do dilema, por enquanto, cabe a cada prefeito e governador. Em qualquer situação, a decisão precisa constar em legislação, indicando o fundamento normativo da decisão, portanto devem ser aprovadas por câmaras e assembleias.
A portaria que oficializa o piso foi assinada na sexta-feira (3) pelo presidente Jair Bolsonaro. Na próxima quarta-feira (9), está prevista uma reunião de gestores com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) para tratar do assunto.
“Como diz a máxima: ‘no setor privado pode-se fazer tudo o que não é proibido, mas no público apenas o que é explicitamente permitido’. Portanto, é uma temeridade aplicar o reajuste do piso do magistério fundamentado em uma portaria, como anunciado pelo @govbr”, anunciou a FNP pelas redes sociais na sexta.
As opções, com base nas discussões vigentes, são as seguintes:
1) Aplicar o Piso Nacional do Magistério
Reajustar o salário do magistério em 33,24% usando como justificativa a Lei do Piso Salarial.
“Falta de recurso”
A lei existe desde 2008, na lei 11.738. Antes, cada gestor estabelecia por sua conta o percentual. Em duas ocasiões, desde então, o piso já foi alvo de polêmica, em ação dos entes federativos no Supremo Tribunal Federal, pela alegação de que não tinham recursos. O STF, no entanto, tem decidido pelo piso.
E a mudança na lei do novo Fundeb?
Uma das defesas das entidades municipalistas é de que a Lei do Piso utiliza um critério de cálculo do percentual do antigo Fundeb de 2007. O fundo foi atualizado em 2020, mas não houve uma alteração direta no texto da legislação do piso.
“Desde julho do ano passado, procuramos os deputados e senadores para solucionar essa situação. A lei continua existindo ou não? O Congresso não quis tomar posição, e ficou essa situação no ar”, disse o ex-prefeito e presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Zilkoski, em encontro com prefeitos do Piauí na quinta-feira (3).
A entidade buscou o Ministério da Educação para resolver o impasse que, por sua vez, acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para orientar a dúvida: o Fundeb permanente de 2020 elimina a regra do piso que se baseava no antigo Fundeb?
Em 14 de janeiro, o MEC informa que, conforme avaliação da AGU, a lei do piso não estaria mais vigente e seria necessária uma regulamentação específica para a definição do piso. A partir disso, teria sido prometida, segundo a CNM, uma Medida Provisória para que o piso fosse reajustado a partir de agora com base no INPC, um índice inflacionário, com percentual de 10,2%, equivalente à inflação de 2021.
O pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, pelas redes sociais, no final de janeiro, anunciando o aumento em 33,24% pegou “de surpresa” as instituições.
“Os prefeitos se acautelem até ter uma posição mais clara, se vale a lei anterior ou não vale. Não é sair pagando porque o presidene anunciou. Aliás é muito fácil, como sempre, fazer favor com o chapeu alheio, não tem um centavo do governo federal no piso nacional, quem paga são os municípios”, disse Zilkoski em orientação so prefeitos.
Lei revogada parcialmente
Diante do posicionamento da AGU e do MEC, a Comissão de Educação e a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, juntamente com frentes parlamentares em defesa da Educação e do serviço público lançaram nota reforçando ilegalidade no descumprimento do piso.
Um dos pontos principais é o que aponta a revogação apenas parcial da Lei nº 11.494/2007 – a do antigo Fundeb, atrelada ao cálculo do piso salarial. O piso é calculado a partir do crescimento do Valor Anual por Aluno do ensino fundamental urbano dos dois anos anteriores.
Os parlamentares argumentam na nota que a Lei do Piso Salarial se refere ao cálculo do valor anual por aluno, o VAA, sigla que, no novo Fundeb, apenas “ganhou um novo nome: VAAF, para diferenciá-la da outra nova complementação, o VAAT (Valor Anual Total por Aluno).
“O parágrafo único do art. 5º da Lei nº 11.738/2008 menciona a numeração da Lei nº 11.494/2007 porque essa era então a lei regulamentadora do Fundeb. Mas, o que importa é o conteúdo do que dizia a lei, o critério por ela fixado, totalmente compatível com a nova Lei do Fundeb, que mantém, no VAAF, o mecanismo do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano”, diz a nota.
Dessa forma, a revogação parcial da lei de 2007 não alteraria a necessidade de atualização do piso nacional, segundo os parlamentares. O novo Fundeb não revogou a lei anual de reajuste do piso.
Art. 5º O piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica será atualizado, anualmente, no mês de janeiro, a partir do ano de 2009.
Parágrafo único. A atualização de que trata o caput deste artigo será calculada utilizando-se o mesmo percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente, nos termos da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007.
Nova legislação necessária
Diante da defesa de que a Lei do Piso está mantida, inclusive assegurada pela Constituição e pelo Plano Nacional da Educação (PNE), a partir de entendimentos do próprio STF, os legisladores pontuam que “na ausência de nova legislação, o critério de reajuste do VAA permanece no atual VAAF”.
“Ocorre que, enquanto nova legislação que disponha especificamente sobre o novo critério de atualização do piso salarial não for editada, permanecem os atuais critérios de atualização com base no Valor Anual por Aluno (VAAF), sucedâneo do outrora utilizado Valor Anual mínimo por Aluno (VAA)”, diz o texto.
Qual critério valeu em 2021?
No ano passado, não houve reajuste no piso devido à queda de arrecadação em 2020. Nas portaria interministeriais que trataram do tema, não há questionamento à Lei do Piso.
“Observe-se, que ao indicar o reajuste zero em 2021, o Governo Federal nada mais fez do que aplicar – e, portanto, reconhecer, o critério estabelecido na Lei do Piso Salarial. Não questionou sua legalidade. Ao contrário, nela se baseou para estabelecer o reajuste zero. Assim, estranha-nos essa repentina mudança de entendimento do Governo Federal”, diz a nota.
2) Aumento salarial pelo INPC
Desde que a Lei do Piso entrou em vigor, as instituições municipalistas tentam desvincular o reajuste do magistério do Fundeb.
Correção pela inflação
A meta é aprovar o texto original do Projeto de Lei (PL) 3.776/2008, com a adoção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) nos doze meses anteriores para reajuste do piso.
No encontro com os prefeitos do Piauí, o presidente da CNM, Paulo Zilkoski, orientou, como uma possibilidade, que os gestores que não tiverem condições de aplicar o reajuste de 33%, concedam aumenta com base no INPC.
“É uma orientação, não uma determinação, afinal cada prefeito é que sabe a sua situação e desde que tenha base legal e consiga pagar, pode fazer. Nossa recomendação é ter cautela até que saia uma orientação mais clara, se a lei anterior vale ou não. (…) Como vão ficar se der aumento de 33%? E o resto do funcionalismo? Como fica o enfermeiro, que está lutando na pandemia? Estamos discutindo o piso deles. Como fica a assistente social?”, pontuou Zilkoski.
Diferença na arrecadação
O repasse do Fundeb para 2022 ano será de R$ 226 milhões, segundo a CNM. Com esse reajuste, estima-se que 90% dos recursos do Fundo sejam utilizados para cobrir gastos com pessoal.
A Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) argumenta que a arrecadação tributária, de 2021, apresentou um desempenho excepcional, muito acima do previsto, ou mesmo do realizado, em anos anteriores, com a recuperação econômica pós primeiro ano de pandemia.
“Trata-se de um resultado obtido em função do momento atípico da pandemia. Justamente por isso não se pode tomar esta variação extraordinária como referência para o reajuste do piso, pois há baixíssima possibilidade desse desempenho da receita se repetir no médio prazo”, ressalta em nota a FNP.
O valor do Fundeb varia conforme a arrecadação dos entes federados. Como o piso se vincula ao cálculo do Fundeb, a variação positiva do repasse para 2022 influencia no cálculo do piso.
O receio de endividamento
Outro ponto que preocupa é que, em muitas prefeituras, apenas os recursos do Fundeb podem não ser suficientes para cobrir os novos gastos com a folha de pagamento.
Além disso, existe a preocupação em obedecer às limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para pagamento de pessoal.
No ano passado, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná decidiu que o piso do magistério deve ser aplicado mesmo com excesso de gastos de pessoal. A consulta foi feita por um prefeito no Estado.
“As dificuldades orçamentárias e financeiras do município não o eximem do dever legal de efetuar o reajuste para promover a adequação ao piso. Nesse caso, a administração é responsável pela requisição de auxílio à União. No entanto, caso o município tenha extrapolado o índice de despesas com pessoal, a concessão de reajuste para o cumprimento das disposições da Lei nº 11.738/08 (Lei do Piso) deve abranger apenas os profissionais do magistério que recebam vencimentos iniciais fixados em valor inferior ao piso salarial nacional”, diz nota do Ministério Público de Contas do Paraná, a partir da orientação do Tribunal de Contas.
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