No Ceará, metade dos estudantes entre 13 e 17 anos já experimentou bebida alcoólica
Outros 17,6% desses jovens já experimentou cigarro e outros 10% drogas ilícitas. Percentuais ficaram abaixo da média nacional
Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado nesta sexta-feira (10) mostra que 63,3% e 22,6% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos de idade já experimentaram, respectivamente, bebida alcoólica e cigarro alguma vez na vida. No Ceará, esses percentuais ficaram em 53,8% e 17,6%, pouco abaixo da média nacional. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar foi feita em 2019, anteriormente à pandemia de Covid-19.
O trabalho nacional aborda ainda outros aspectos que relacionam a adolescência ao contexto escolar, como bullying, hábitos alimentares, atividade física, saúde sexual e reprodutiva, segurança e violência, saúde mental, dentre outras.
Em se tratando especificamente de álcool e outras drogas lícitas e ilícitas, o IBGE deu destaque ao uso de cigarros eletrônicos, que, apesar de serem proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2019, circulam entre os adolescentes.
A partir das respostas dos próprios estudantes, o instituto concluiu que, em 2019, o cigarro eletrônico estava presente em 18% das escolas privadas e 16% das escolas públicas brasileiras, a maior parte nas regiões Centro-Oeste (23,7%), Sul (21%) e Sudeste (18,4%). Além disso, foi constatado que a experimentação da droga é feita com mais frequência por homens (18,1%) do que por mulheres (14,6%).
No que diz respeito à experimentação de álcool, foram considerados não apenas os estudantes que tinham sentido o gosto ou tomado poucos goles de bebida, mas os que já tinham tomado, por exemplo, uma lata ou garrafa long neck de cerveja ou vodca-ice, um copo de chope, uma taça de vinho ou uma dose de cachaça, dentre outros destilados.
Nesse caso, a maioria dos que declararam ter experimentado álcool foram mulheres (66,9%). Elas também foram maioria quando perguntadas se tinham perdido aula ou tido problemas com família ou amigos por terem bebido.
Drogas ilícitas
No Ceará, 10% dos estudantes ouvidos para a pesquisa responderam que já haviam experimentado drogas ilícitas como, por exemplo, crack. O percentual ficou um pouco abaixo do nacional, de 13%. Além disso, 4% assumiram ter usado pela primeira vez aos 13 anos de idade ou menos.
Dentre as capitais, Fortaleza teve 15,4% dos estudantes admitindo a experimentação, a maior parte em escola pública (18%). Escolas privadas, nesse caso, representaram 9%.
Comportamento
A experimentação e o consumo de álcool e outras drogas na adolescência não é comportamento exclusivo das gerações mais recentes. Segundo a psicopedagoga, psicomotricista relacional e mestre em psicologia Renata Pires, é nessa etapa do desenvolvimento que os jovens sentem necessidade de “romper com a ordem paterna e materna e se autoafirmar no grupo dos pares”, o que estimula o uso em grupos de amigos.
Além disso, a especialista comenta que modas como a do cigarro eletrônico “trazem uma necessidade de pertencimento. E o adolescente, por estar nessa fase onde, mais do que nunca, precisa pertencer a um grupo pra se sentir aceito, forte e maduro, vai querer provar”.
“Outro ponto que a gente precisa considerar é a questão da informação. Principalmente a internet faz com que, em qualquer idade, crianças e adolescentes tenham acesso a todo tipo de conteúdo. E o contexto escolar é um lugar social, por excelência, de encontro dos pares. É onde os adolescentes estão juntos e trocam essas informações”. Renata Pires Psicopedagoga, psicomotricista relacional e mestre em psicologia
No entanto, como o uso de álcool e drogas nessa faixa etária pode provocar dependência química e acarretar perdas importantes ao desenvolvimento cognitivo, sobretudo na memória e na concentração, Pires pontua que pais e responsáveis devem manter canais abertos de diálogo com os jovens, não proibindo drasticamente a prática porque, num efeito reverso, pode gerar neles uma necessidade de transgressão, mas com diálogo, escutando o que têm a dizer e colocando regras e limites.
Para o gerente do Centro de Referência sobre Drogas da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos (SPS) do Ceará, Rodrigo Amaral, por terem mais acesso à informação, as gerações mais recentes são mais abertas a discussões preventivas consideradas ainda tabus para a sociedade, como drogas, machismo, racismo e LGBTfobia. “Por estarem mais abertas, essas gerações têm muito a nos ensinar”, diz.
Dependência
Quando a prevenção é ineficaz e o uso de álcool e outras drogas se torna problemático, grave, é preciso buscar suporte multidisciplinar. O Centro de Referência sobre Drogas (CRD), gerido por Amaral, atende diferentes faixas etárias. No entanto, neste segundo ano de pandemia da Covid-19, o gestor conta que tem notado um aumento considerável de adolescentes necessitando de amparo.
“Não temos ainda esse número, mas a gente tem constatado que nesse período o número de adolescentes e familiares que nos procuram tem aumentado”. Rodrigo Amaral Gerente do Centro de Referência sobre Drogas da SPS
Com equipe de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, o centro atua na escuta e no acolhimento dos jovens e de seus familiares. “A gente faz uma orientação e encaminha pra rede de serviços públicos” como Centros de Atendimento Psicossociais (Caps) e Centros de Referência em Assistência Social (Cras).
Pedro (nome fictício), de 17 anos, é um dos que, atualmente, são acompanhados pelo CRD e pelo Caps. Em situação de vulnerabilidade social, ele vive com a mãe, Cristina (nome fictício), num bairro periférico da Capital. Ela conta que foi um amigo de escola do filho, há dois anos, que contou sobre o envolvimento dele com drogas. “Ele quer [largar] mas não tem força”, relata a mãe. Segundo ela, ele estuda numa escola pública estadual, mas não está comparecendo às aulas remotas porque seu tablet foi quebrado.
Conceição Nunes, assistente social do CRD que acompanha Pedro, narra que ele chegou encaminhado pelo Conselho Tutelar. Depois de conversar com ele, que fala pouco, e com a mãe, que relatou que o filho é muito agitado, Conceição descobriu que Pedro também sofre de problemas neurológicos de saúde. “Isso facilitou nosso atendimento”, disse, porque foi possível encaminhá-lo para tratamento.
“Acabou que, nessa história da pandemia, ele ficou muito exposto à vulnerabilidade. É um menino muito trabalhador, trabalha ajudando nas feiras. Leva carrinho de mão, deixa compra. Bem calado, introspectivo. Não se comunica. Tem dificuldade. Fala pouco, mas compreende algumas coisas. Por isso deve ter sido usado na comunidade [onde mora] pra entrar nessa situação [de consumo de drogas]”, acredita a assistente social, acrescentando que a mãe já comentou sobre o filho ter dívidas com o tráfico.
Debate constante
Um projeto-piloto do CRD deve ser implantado ainda neste ano em sete escolas públicas de ensino médio de Fortaleza. A ideia, segundo Rodrigo Amaral, é inserir na rotina dos estudantes grupos permanentes de discussão sobre drogas. “Tentando descobrir quais ações podem ser feitas e divulgadas nas redes sociais, já que a vibe deles é rede social, e como a gente pode viralizar essas ações. Pra que eles mesmos levem essas pautas, numa perspectiva da educação entre pares. E dando voz a esses adolescentes”, explica o gestor.
Ainda segundo Amaral, a proposta é levar o modelo para escolas do Interior do Estado ao fim do ano e disponibilizar em cada espaço um estagiário de psicologia para facilitar os grupos.
No retorno às aulas presenciais, comenta Amaral, “temos uma necessidade de dar mais atenção a esses adolescentes que estiveram tanto tempo longe da escola. A gente precisa dar mais espaço, ouvi-los mais, pra que eles se sintam incluídos. A gente vai ter muito desafio pra viver essa nova escola. Foi muito tempo em isolamento social”, reflete.
Serviço
Centro de Referência sobre Drogas
Endereço: Rua Valdetário Mota, 970, Papicu – Fortaleza
E-mail: crd@sps.ce.gov.br
WhatsApp: (85) 9 8439-4775
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