Deputado do Ceará enviou mais de 80% das emendas à prefeitura comandada por sobrinho
A Prefeitura de Parambu já recebeu, neste ano, mais de R$ 13,2 milhões
Com receita orçamentária estimada em R$ 86 milhões para este ano, o município de Parambu recebeu um incremento de R$ 13,2 milhões para financiar ações da saúde pública. Na prática, esse montante representa um acréscimo de aproximadamente 15% nos recursos municipais.
O que chama atenção é que todo esse dinheiro foi enviado por meio de emendas de apenas um parlamentar, o deputado federal Genecias Noronha (Solidariedade). O político tem em Parambu seu berço político – e familiar –, tanto que o atual prefeito da cidade, Rômulo Noronha (Solidariedade), é seu sobrinho.
De todas as emendas destinadas por Genecias, R$ 16,2 milhões já foram pagas neste ano, das quais R$ 13,2 milhões – 81,3% – chegaram ao município governado pelo jovem gestor de 26 anos. O parlamentar justifica o grande volume de recursos alegando, dentre outros pontos, que, na época do envio, “só tinha (prefeito) parceiro em Parambu”.
Os dados são resultado de um cruzamento de informações disponíveis na Câmara dos Deputados e no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) realizado na última semana de novembro. O Diário do Nordeste confrontou números que revelam a rota das emendas no Estado e como as decisões políticas afetam a distribuição do recurso público.
Assim como Genecias, parte da bancada cearense na Câmara dos Deputados busca direcionar recursos das emendas para suas principais bases eleitorais. Em nenhum dos outros casos, no entanto, os valores representam uma fatia tão significativa das emendas individuais de um deputado.
No geral, esses valores são enviados para o Fundo Nacional de Saúde, através de transferência direta, “fundo a fundo”, com o objetivo de reforçar a rede de serviços, cobertura ambulatorial e hospitalar e demais ações de saúde.
As emendas são instrumentos pelos quais os deputados federais e senadores podem interferir na alocação do Orçamento com base em compromissos políticos. Existem quatro tipos de emenda: individuais, de bancada, de comissão e de relatoria.
Para esta reportagem, são levadas em conta exclusivamente as emendas individuais, em que cada parlamentar pode escolher, de forma autônoma, a quem destinar, sejam estados, municípios ou instituições. Para este ano, cada deputado teve até R$ 16,2 milhões em recursos desse tipo, divisível para até 25 sugestões.
Brasília-Parambu
O empresário Genecias Noronha iniciou a trajetória política justamente como vice-prefeito de Parambu, em 2001. Ele chegou ao comando da Prefeitura duas vezes: em 2004 e em 2008, quando renunciou para disputar cargo no Legislativo estadual.
Ainda assim, o clã liderado pelo político vem deixando sua marca no comando da Cidade. Antes de Rômulo Noronha, sobrinho de Genecias, o Executivo da Parambu foi comandado por Raimundo Noronha (Solidariedade), irmão do deputado federal. Antes dele, a prefeita era Keylly Noronha, sobrinha de Genecias e irmã de Rômulo.
Eleito em 2018 com 113,5 mil votos, Genecias teve uma votação balanceada no Ceará, o que evidencia ainda mais a discrepância na distribuição dos recursos. De fato, a população de Parambu foi a responsável pela maioria dos votos do parlamentar, mas isso representou cerca de 10% dos eleitores do político.
Outras cidades, como Mombaça e Boa Viagem, que não foram contempladas pelo deputado nas emendas, representaram mais de 5% dos votos do parlamentar no último pleito federal.
Outras fontes de repasse
Indagado sobre os recursos, o deputado federal Genecias Noronha afirmou que existem diversos motivos para a discrepância nos repasses feitos por meio de emendas individuais. Segundo ele, o “grande volume” de recursos não vem das emendas individuais, mas sim de outras fontes.
Dentre elas, as emendas de relator e recursos “extra-orçamentários”, negociados diretamente com os Ministérios do governo federal. “Quanto mais articulado o deputado, mas conseguem recursos”, explica.
Sobre Parambu, ele explica que o fato de já ter sido prefeito e ter na cidade o berço político influencia, mas não é o único fator. Ele explica que “desde 2010” é “parceiro” dos prefeitos que assumiram o Executivo do município e, quando foi destinar as emendas individuais, percebeu que “só tinha (prefeito) parceiro em Parambu”.
“Meus (outros) prefeitos parceiros tomaram posse em janeiro e, aí, eu fui atrás de recursos para eles”, explica. Ele cita que conseguiu recursos para municípios como Maranguape, Boa Viagem, Novo Oriente, Quixeré, Banabuiú e Crateús – todos já pagos neste ano. Os valores, no entanto, não partem das emendas impositivas.
Genecias disse ainda que a situação econômica de cada prefeitura também impacta no pagamento das emendas parlamentares. “O pagamento é por município e, quando ele está inadimplente, não é feito o repasse”, detalha.
Representante em Brasília
Além de Genecias, outros parlamentares com berço político bem definido também enviam fatias significativas das emendas para municípios governados por familiares. Nesses casos, no entanto, a distribuição ocorre de forma mais equilibrada e contempla outras regiões do Estado.
Eduardo Bismarck (PDT), por exemplo, já teve R$ 12,2 milhões de emendas pagas neste ano pelo Governo Federal. Desse total, R$ 4,7 milhões foram para Aracati, onde a prefeitura é comandada por Bismarck Maia (PDT), pai do parlamentar. A cidade recebeu 38,2% das emendas do pedetista, com direcionamento para uso na saúde pública.
Com a trajetória política construída em Aracati, o deputado teve 23% do eleitorado no município.
“Com certeza um dos critérios é o alinhamento da base eleitoral, por isso os deputados representam estados e municípios em Brasília. Então buscamos fazer uma distribuição proporcional e que também leve em conta o nível do apoio político”, explica. Eduardo Bismarck Deputado federal
Ele pondera que a “equação” tem outras variáveis. “O deputado acaba mandando para gestões onde existe uma relação de confiança, porque, quando você não conhece o gestor, acaba se preocupando se a ação será realmente executada”, acrescenta.
De acordo com o pedetista, outro fator levado em consideração é a necessidade da região. “Mesmo quando não tem um prefeito aliado naquela cidade, às vezes os eleitores pedem recursos para uma estrada, uma reforma de posto de saúde, por exemplo”, afirma.
O deputado federal explica ainda que, além dessas variáveis, no caso de Aracati, há uma demanda por recursos. “Não é só pela proximidade, mas é um município que tem dificuldades geográficas e tem uma grande população, é um polo da região”, conclui.
Tudo em casa
Já no Sertão de Crateús, está o município de Nova Russas, base eleitoral do deputado federal Júnior Mano (PL). Atualmente, a prefeita da cidade é Giordanna Braga (PL), esposa do parlamentar.
Ao longo deste ano, Júnior Mano teve R$ 14,1 milhões em emendas individuais pagas. Desse total, R$ 4,3 milhões foram para Nova Russas para uso na saúde. Na prática, quase 31% de todos os recursos enviados por ele a municípios cearenses tiveram como destino a Prefeitura comandada pela esposa.
Em contato com a reportagem, o deputado explicou a razão de priorizar o município de Nova Russas. “É proibido? Foi o município que tirei mais voto proporcionalmente, ela é do PL e sou nascido e criado no município. Então não vejo nada demais. Estamos construindo hospital novo, equipando tudo, reformando postos de saúde, adquirindo 14 veículos. Se tivesse, mandaria mais”, declarou.
Mais ao Norte, os municípios de Granja, Acaraú e Itarema concentram a base eleitoral do pedetista Robério Monteiro. Ele, inclusive, já comandou a Prefeitura de Itarema por dois mandatos, no início da carreira política. Atualmente, a esposa do parlamentar, Ana Flávia Monteiro (PSB), está à frente do Município de Acaraú.
Para as três cidades, Monteiro enviou quase 60% das emendas pagas neste ano. Dos R$ 12,8 milhões em recursos individuais do pedetista, R$ 7,5 ficaram em seu berço político. Desse total, a maior fatia ficou sob o comando da Prefeitura de Acaraú, com destino à saúde pública.
Atendendo às bases
Deputados como Leônidas Cristino (PDT), ex-prefeito de Sobral; Domingos Neto (PSD), cuja mãe, Patrícia Aguiar (PSD), comanda a prefeitura de Tauá; e José Airton Cirilo (PT), ex-prefeito de Icapuí, cujo sobrinho, Lacerda, é o atual gestor.; também mantiveram destinação de recursos para seus respectivos berços políticos. Nestes casos, cada parlamentar destinou entre 15% e 20% das emendas para as cidades.
De acordo com o deputado José Airton, a ajuda a municípios parte também do pressuposto das proximidades políticas. “Tenho ajudado os municípios cujos prefeitos tenho mais relação política e são necessitados”, disse. “Procuro ajudar aquelas cidades cujos gestores nos procuram diretamente ou através de seus representantes”, explicou.
Conforme o deputado federal Domingos Neto, cada parlamentar adota critérios próprios para a destinação dos recursos. No caso dele, ressalta, a indicação ocorre, no geral, priorizando municípios que oferecem serviços de natureza regional, “especialmente aqueles que dispõem de equipamentos regionais de saúde, como hospitais, policlínicas, CEOs, UPAs etc”.
O deputado federal Mauro Filho (PDT) teve R$ 12,2 milhões em emendas pagas neste ano, das quais R$ 900 mil foram para Redenção, cidade governada por David Benevides (PDT), seu filho. O valor corresponde a cerca de 7% do total de emendas do deputado. O parlamentar aponta que tem “critérios técnicos” na alocação das emendas e que municípios menores que Redenção, como Acopiara, receberam mais recursos.
Ele cita que a ligação com a cidade, já tendo sido inclusive prefeito de Redenção, não influencia na destinação dos recursos. “Tem que acabar essa história do deputado saber a prioridade, quem tem que saber qual é a prioridade é o gestor”, ressalta.
O deputado AJ Albuquerque (PP), ex-prefeito de Massapê, cidade hoje gerida por sua irmã, Aline Albuquerque (PP), destinou R$ 1,1 milhão para o município. O valor representa 6,75% do total de emendas do parlamentar pagas – um montante de R$ 16,2 milhões.
R$ 0,00
No outro extremo desse cenário, estão parlamentares que, apesar de terem forte ligação com suas bases eleitorais, não destinaram emendas para os municípios onde consolidaram a carreira política.
Neste grupo estão os deputados federais Moses Rodrigues (MDB) e Pedro Augusto Bezerra (PTB), que, em comum, viram nomes da oposição serem eleitos para comandar o Executivo municipal das cidades a que são ligados no ano passado.
Em Sobral, berço político de Moses, Ivo Gomes (PDT) derrotou Oscar Rodrigues (MDB), pai do parlamentar. Até o início de dezembro deste ano, Moses teve R$ 6,6 milhões em emendas pagas pelo Governo Federal. No entanto, nenhuma chegou à Prefeitura de seu adversário pedetista em relação ao orçamento de 2021.
No caso de Pedro Bezerra, seu pai, Arnon Bezerra (PDT), foi derrotado em Juazeiro do Norte ao tentar a reeleição. Neste ano, o município agora comandado por Glêdson Bezerra (Podemos), adversário de Pedro e Arnon, não recebeu recursos do parlamentar.
Sem berço político
Ao analisar a distribuição de emendas, a bancada cearense tem ainda uma ala que foi alçada à política pela proximidade com setores da sociedade, não por identificação aos berços políticos. Nestes casos, ainda que a base eleitoral de um desses deputados seja em um município – geralmente a Capital –, é comum que eles não enviem recursos diretamente para a prefeitura da cidade onde receberam maior votação.
É o caso de deputados como Denis Bezerra (PSB), André Figueiredo (PDT), Capitão Wagner (Pros), Danilo Forte (PSDB), Dr. Jaziel (PL), Heitor Freire (PSL), Gorete Pereira (PL), Idilvan Alencar (PDT), José Guimarães (PT), Luizianne Lins (PT) e Vaidon Oliveira (Pros).
Esses políticos possuem um eleitorado mais distribuído no território cearense, mas todos têm na Capital a maior concentração de eleitores – com exceção de Guimarães, que teve maior percentual de votos em Itapipoca, seguido por Fortaleza. No entanto, nenhum recurso pago em emendas desses parlamentares chegou à Capital.
Deputados ouvidos pelo Diário do Nordeste explicam que, neste caso, preferem distribuir os recursos para suas bases eleitorais no Interior ou para instituições da Capital. Eles alegam que a capacidade orçamentária da Prefeitura de Fortaleza é muito superior à de outros municípios, onde as emendas têm um impacto maior.
“Tentamos dar equilíbrio destinando emendas pelo tamanho do município. Acho essa uma forma democrática de destinar esses recursos. No caso da Capital, muitos parlamentares não enviam porque já é uma cidade rica, que tem capacidade de construir orçamento próprio, coisa que muitas cidades do Interior não conseguem”. Danilo Forte
Para o deputado José Guimarães (PT), “a definição dos investimentos em cada município leva em conta a necessidade de financiamento em áreas estratégicas como saúde, educação e infraestrutura”. Já o deputado Denis Bezerra (PSB) alega que “os recursos são insuficientes para atender as demandas de todas as cidades ao mesmo tempo, mas as questões sociais têm mais peso nessa decisão”.
Orçamento próprio
Diagnóstico semelhante é feito por Heitor Freire (PSL). “As cidades do Interior estão mais vulneráveis do que a Capital, por isso, a maior parte das minhas emendas vai pra lá”, aponta. Ele acrescenta que, no caso de Fortaleza, os recursos são enviados de forma genérica para o Estado e, em seguida, direcionados para a Cidade.
Assim como Freire, o deputado Capitão Wagner (Pros) integra a oposição no Ceará – e em Fortaleza. O parlamentar, no entanto, nega que isso interfira na destinação dos recursos.
“Não tenho problema em destinar emendas para prefeituras adversárias ou de partidos adversários, já destinei para prefeituras do PDT, do PCdoB, do PSB, a questão é que destinamos em alguns momentos e elas não são executadas, como já aconteceu em Fortaleza”. Capitão Wagner Deputado federal
“Não vou continuar mandando para prefeituras ou para o Estado porque há um menosprezo aos valores que podem ser muito bem utilizados por outros municípios, inclusive os municípios menores correm muito mais atrás da liberação dos recursos que os grandes municípios (…) Mas, no caso de Fortaleza, destinei diretamente para instituições do terceiro setor”, conclui Wagner.
A reportagem procurou a assessoria do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), e espera um retorno para incluir a versão do ex-gestor da Capital sobre o assunto.
Causa animal
Neste segundo grupo parlamentares, a única exceção é o deputado Célio Studart (PV). Alçado na política pelo ativismo na causa animal, o deputado tem na Capital sua principal base eleitoral e foi para a Cidade que ele enviou 24% das emendas individuais neste ano.
Dos cerca de R$ 12,5 milhões pagos pelo Governo Federal por indicação de Célio, R$ 3,1 milhões foram para Fortaleza, onde está 60% do eleitorado do parlamentar.
“Não fazemos distribuição de recursos baseados na territorialidade de votos. Fortaleza e a Região Metropolitana significam a metade da população de todo o Estado, por isso a maioria dos recursos acaba sendo enviada para essa região”. Célio Studart Deputado federal
“Já em outras cidades, o envio de recursos prioriza os compromissos firmados, tanto na causa animal, quanto saúde, acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, que são as bandeiras do nosso mandato”, diz Célio.
A deputada Luizianne Lins (PT), ex-prefeita de Fortaleza, não destinou emendas neste ano. Segundo a parlamentar, “o calendário orçamentário para apresentação de emendas individuais 2021 ocorreu em abril, na ocasião, as emendas foram apresentadas pela suplente Gorete Pereira”.
Todos os parlamentares citados na reportagem foram procurados por meio do telefone pessoal, da assessoria de imprensa ou do contato de e-mail do gabinete em Brasília. Na em medida que os demais responderem aos questionamentos, a reportagem será atualizada.
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