Com injeção de R$ 14,3 bi no CE, fim do auxílio terá efeito imediato sobre mais vulneráveis e varejo
Aproximadamente metade da população, cerca de 4,3 milhões de cearenses, já recebeu uma ou mais parcelas do benefício. Governo avalia alternativas
O fim do pagamento do auxílio emergencial, em dezembro, terá efeitos imediatos sobre a população mais vulnerável e o sobre comércio varejista no Ceará. A medida deve também gerar resultados negativos a longo prazo com a precarização do acesso a serviços básicos e do poder de consumo, segundo especialistas consultados pela reportagem. Em levantamento mais recente, a Caixa Econômica Federal informou que já foram creditados R$ 14,3 bilhões com o auxílio emergencial para 4,3 milhões de beneficiários do Estado do Ceará.
Criado em abril deste ano para amenizar os efeitos da crise econômica em decorrência da pandemia do novo coronavírus, o auxílio “cumpriu bem” o propósito básico, segundo o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), Vitor Hugo Miro.
“Um indicativo interessante que nós tivemos do êxito do auxílio, principalmente sobre as famílias mais pobres, é que mesmo durante uma recessão no período de pandemia, nós tivemos as menores taxas de pobreza. Cumpriu bem nesse quesito, ajudou em termos de manutenção do poder de compra e do consumo das famílias brasileiras. Com uma queda brusca de renda, nós poderíamos ter um cenário econômico muito pior do que observamos”, afirma Miro.
O acerto na estratégia do Governo Federal é ratificado pelo economista e coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Fortaleza, Allisson Martins. “Estudos mostram que foi reduzida 23,7% da pobreza e mais de cinco milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza. De alguma maneira, a gente percebe resultados bastante relevantes”, complementa.
Efeitos a longo prazo
Na avaliação de Miro, o fim do benefício demonstra a ausência de uma agenda de combate à pobreza por parte do Governo. “Isso é um ponto crítico em relação ao planejamento do Governo Federal. Quando tivemos redução do valor do auxílio, entre agosto e setembro, já tivemos um impacto muito forte em pobreza”, aponta ele.
O professor lembra que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) mais recente, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que, no País, mais de 8,5 milhões de pessoas entraram em situação de pobreza e quatro milhões de extrema pobreza/miséria no período de redução da parcela do auxílio de R$ 600 para R$ 300. O cenário pode ser um indicativo do que esperar com o fim do auxílio em janeiro.
“(O encerramento) vai trazer sérios problemas para o orçamento familiar, sobretudo, para o mês de janeiro. Existem aquelas despesas de material escolar, matrículas, outras contas que chegam e o orçamento será fortemente impactado”, endossa o economista Alisson Martins.
A tendência também deve levar a uma alta do endividamento, não só em relação a despesas de crédito e custo pessoal, mas, inclusive, com contas básicas. “As pessoas tendem a procurar estratégias financeiras pra tentar honrar seus compromissos, via operação de crédito, crédito pessoal. E a inadimplência é outro aspecto que deve repercutir, inclusive inadimplência com contas de água, luz. Vai repercutir de maneira bem sensível no orçamento das famílias”, aponta Martins.
O menor nível de renda vai reduzir também o consumo. Porém, para o coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da UFC, esse aspecto não é o mais relevante. “O mais crítico é que, com redução de renda, essas pessoas têm acessos a outros serviços de forma mais precária. Um indivíduo desempregado não consegue mais acessar um plano de saúde, então o acesso à saúde piora, à educação piora.<MC0> Isso tem efeito no longo prazo também. Tem todo esse desencadeamento de piora”, avalia Vitor Miro.<MC>
Desemprego
O fim do auxílio deve gerar, ainda, uma maior pressão sobre o mercado de trabalho. “É certeza o índice de desemprego ser elevado e de uma maneira substancial. A pressão por emprego versus oferta de trabalho não vai chegar a um equilíbrio. A pressão por necessidade de emprego vai ser bem maior (com o fim dos pagamentos). Essa procura vai elevar as taxas de desemprego”, analisa Martins.
Além disso, a reabertura das atividades econômicas com a expectativa de reaquecimento da economia não vai ser suficiente para estabilizar essa situação, avalia o professor Miro.
“Os efeitos da atividade econômica sobre o mercado de trabalho não são imediatos. Tanto que os mesmos dados do IBGE estão dizendo para a gente que a taxa de desemprego está em um dos maiores valores da série histórica. É um conjunto grande de pessoas indo ao mercado de trabalho, mas sem conseguir emprego. Uma correção a curto prazo não vai vir via mercado de trabalho. A gente só conseguiria manter a pobreza em níveis relativamente baixos com uma política ativa de transferência de renda”, aponta.<MC1>
Desequilíbrio
Martins avalia que o auxílio ampliou o desequilíbrio das contas, mas que a involução ou evolução da pandemia deve ser determinante para avaliar a possibilidade de prorrogar o pagamento. “É notório que existe uma falta de espaço fiscal. A questão orçamentária já vinha seriamente prejudicada. É uma equação que vai ter que se visitar e resolver com o Executivo ou Legislativo”.
Já para Miro, o Governo precisa estabelecer prioridades. “Tem um desafio interessante nos últimos anos que é a questão de onde se tiraria dinheiro pra um programa de transferência de renda, porque nos próximos anos vamos enfrentar fortes restrições fiscais, não que sejam ruins, são consequências dos erros do passado. A nossa economia precisa impor essas restrições, a gente não pode entrar em pico de gastos. É tudo uma questão de estabelecer uma prioridade, e é interessante que o Governo coloque entre elas a alocação de recursos do orçamento para a política social”, defende.
Comércio
Sob a ótica empresarial, o comércio varejista deve ser o mais afetado com o fim do benefício. Apresentando, historicamente, baixa performance no primeiro trimestre do ano, a estimativa para o início de 2021 é de que o setor saia prejudicado. “A gente vai ter um impacto muito forte no começo de 2021 e depois estabiliza”, prevê Miro.
“Com a suspensão do auxílio emergencial, isso pode ser catalisado com involução no volume de vendas. Quando formos para o efeito estatístico para avaliar o primeiro trimestre de 2021 com relação ao de 2020, vai ser bem pior”, avalia Martins.
“Vamos lembrar que a pandemia só trouxe efeitos mais significativos no finalzinho de março, ou seja, final do primeiro trimestre. Então, a gente vai pegar o primeiro trimestre de 2021 com a massa salarial e a renda das famílias menor, em razão da dinâmica econômica, em função da pandemia. Isso vai fazer com que o volume de vendas do comércio varejista, em particular, seja fortemente afetado”, acrescenta o economista.
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