Bolsonaro avisa que PF vai abrir inquérito para investigar acordo do Governo com a Covaxin
Suspeita sobre vacina indiana trinca discurso anticorrupção do presidente, e Planalto tenta se desvencilhar de crise
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta sexta-feira (25) que a Polícia Federal vai abrir inquérito para investigar a compra da vacina indiana Covaxin. “É lógico que a PF vai abrir inquérito”, disse o presidente em entrevista durante evento em Sorocaba, no interior de São Paulo.
“Foi comprada uma ampola? O governo perdeu um centavo para a Covaxin? Pagou e não consumiu? Querem imputar em mim um crime de corrupção em que não foi gasto um centavo, porque estamos há dois anos e meio sem corrupção.”
Reação à pergunta feita por jornalista
“Foi comprada a vacina? Foi comprada?”, questionou a uma repórter. Ela respondeu que havia um documento, e ele a interrompeu, pedindo que voltasse para a faculdade. Em outras ocasiões, mandou a mesma jornalista voltar para o primário e depois “nascer de novo”.
Bolsonaro participou de inauguração do CET (Centro de Excelência em Tecnologia) 4.0, um centro de capacitação e desenvolvimento de soluções da indústria 4.0. Recebido por apoiadores, Bolsonaro chegou ao evento em Sorocaba de pé na porta do carro e sem máscara.
Após inaugurar o centro de tecnologia, defendeu o uso de hidroxicloroquina, ineficaz contra a Covid, e falou sobre como o auxílio emergencial ajudou vulneráveis enquanto governos estaduais prendiam as pessoas em casa.
Recebido por grupos rivais
Ao chegar ao local do segundo evento na cidade, dois grupos rivais o aguardavam. Manifestantes contrários a Bolsonaro se posicionaram com faixas e gritos de genocida e assassino.
Poucos metros à frente, um grupo de apoiadores, grande parte vestida de verde e amarelo, chamava-os de maconheiros e gritavam “Lula bandido”. Houve princípio de tumulto, e a cavalaria da Polícia Militar precisou intervir.
Suspeita de irregularidade na negociação
A suspeita de irregularidade na negociação para a compra da vacina Covaxin trincou o discurso anticorrupção que o presidente Jair Bolsonaro ostenta apesar de investigações que têm seus filhos e ministros como alvo.
Além de tentar desqualificar os denunciantes, o Palácio do Planalto discute agora o cancelamento do contrato assinado com a Precisa Medicamentos em fevereiro para obter 20 milhões de doses da vacina indiana produzida pela Bharat Biotech.
Estratégia
Nesta quinta-feira (24), em evento no interior do Rio Grande do Norte, Bolsonaro adotou a estratégia de negar corrupção por não ter havido qualquer pagamento à fabricante da vacina, mas não explicou o que fez em março deste ano, depois de ser alertado sobre supostas irregularidades no contrato de compra da Covaxin.
O deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, que levantaram as suspeitas, serão ouvidos nesta sexta-feira (25) na CPI da Covid no Senado.
Como mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, a Polícia Federal não encontrou registro de nenhum inquérito aberto sobre a compra da vacina, apesar das acusações repassadas pelos irmãos Miranda a Bolsonaro.
‘Denúncia mais grave já recebida’
O surgimento de novos fatos resultou em uma nova linha de investigação da CPI da Covid, que se tornou central e deve nortear as atividades da comissão pelas próximas semanas. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que talvez seja a denúncia mais grave já recebida pelo colegiado.
A existência de denúncias de irregularidades foi revelada pela Folha de S.Paulo na sexta-feira passada (18), com a divulgação do depoimento sigiloso de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, e irmão do deputado.
Ele disse ao Ministério Público Federal em Brasília que recebeu uma “pressão atípica” para agilizar a liberação da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.
Indícios de crimes
No início, a apuração ocorria no curso de um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. Depois, o caso foi desmembrado, diante dos indícios de crimes na contratação.
O governo emitiu uma nota de empenho -uma autorização para os gastos– no valor de R$ 1,61 bilhão, que corresponde ao total contratado para o fornecimento de 20 milhões de doses da Covaxin (a US$ 15 cada dose). O valor seria suficiente para a compra, por exemplo, de 28 milhões de doses da Pfizer ou da Janssen (ambas a US$ 10 a dose).
A nota foi emitida em 22 de fevereiro. O contrato foi assinado no dia 25. Quatro meses depois, o dinheiro segue reservado, e o país não recebeu uma única dose do imunizante.
Diante da crise, porém, o contrato deve ser inicialmente suspenso e, em seguida, cancelado. Uma das possibilidades é rescindir o acordo em razão do atraso na entrega das unidades contratadas e também da falta de previsão da chegada do imunizante ao Brasil.
Outra hipótese é que não haja assinatura do termo de compromisso exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com condições para importação de parte das doses. As alternativas são debatidas com a consultoria jurídica, departamento de integridade e área técnica do Ministério da Saúde.
O QUE ACONTECEU APÓS A REVELAÇÃO DO CASO
- Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha de S.Paulo, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin
- ‘É bem mais grave’ (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse que o caso é “bem mais grave” do que a pressão para fechar o contrato
- Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. “No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”
- CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho
- Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão
- Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI
- Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países
- Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios
- ‘Acusação é arma que sobra’ (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. “Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra”, disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte.
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