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Auxílio emergencial e Bolsa Família garantem menos da metade da cesta básica em Fortaleza

Considerando a média recebida pelo beneficiário do Bolsa Família no Estado (R$ 182,89), é possível comprar apenas 35% da cesta básica apurada pelo Dieese (R$ 523,46)

A escalada dos preços dos produtos e serviços, com destaque para os alimentos, corroeu o poder de compra dos consumidores – sobretudo no último ano, com o avanço do coronavírus pelo País -, e penaliza mais fortemente a população que ganha menos. Com isso, quem depende de benefícios sociais como o Bolsa Família e o auxílio emergencial para sobreviver mal consegue garantir o básico.

Considerando a média mensal recebida pelo beneficiário cearense do Bolsa Família, de R$ 182,89, conforme dados do Portal da Transparência, e o valor mais recente (fevereiro de 2020) apurado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para a Cesta Básica de Fortaleza (R$ 523,46), é possível observar que o valor garante apenas 35% da alimentação básica para uma pessoa durante um mês.

Para se alimentar por um mês em Fortaleza, considerando os parâmetros do Dieese, uma pessoa teria que receber quase três vezes o valor médio pago por meio do Bolsa Família.

Já quanto aos valores do novo auxílio emergencial, que começou a ser pago nesta semana diante da escalada da segunda onda da pandemia no Brasil, a conta não é muito diferente: o valor de R$ 250, estipulado para famílias de duas ou mais pessoas, não compra sequer metade (47,7%) da cesta para uma pessoa durante o mês.

O maior valor para o Auxílio Emergencial 2021, de R$ 375 (mães chefes de família monoparental), banca cerca de 70% da cesta.

Gasto padrão é 8 vezes superior ao Bolsa Família

De acordo com os cálculos do Dieese, o gasto com alimentação para uma família padrão de quatro pessoas é de R$ 1.570,38 – 8,5 vezes o valor médio do Bolsa Família pago aos residentes no Ceará e 6,2 vezes o Auxílio Emergencial de R$ 250.

Legenda: Com a escalada da inflação, poder de compra do consumidor está cada vez mais corroído. Recursos de benefícios sociais possibilitam a aquisição de cada vez menos produtos e serviços
Foto: Isanelle Nascimento

O supervisor regional do Dieese, Reginaldo Aguiar, lamenta que no momento mais crítico da pandemia o valor do auxílio emergencial tenha sofrido redução tão drástica e lembra que, no início da crise sanitária, quando foram pagos até R$ 1.200, no caso das mães chefes de família, “a envergadura da pandemia era absolutamente outra”.

Aguiar lembra que o pagamento do auxílio de R$ 600 foi importante para dar um dinamismo maior ao Ceará e à região Nordeste, destacando que o Estado possui os menores índices de renda e a Região “em todos os momentos têm uma taxa de desemprego maior do que no restante do País”.

Na esteira do auxílio menor e do Bolsa Família defasado, Reginaldo Aguiar lembra da escalada da inflação nos últimos 12 meses em Fortaleza e no País.

Em 2020, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apresentou alta acumulada de 5,74% na Capital cearense. Nos primeiros dois meses de 2021, já acumula avanço de 1,85%. Os preços dos alimentos subiram 1,7% no primeiro bimestre.

Mas a preocupação maior é quando se olha para o “primo do IPCA”: o INPC. Enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo mede a inflação que atinge as famílias com renda de até 40 salários mínimos, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor apura o movimento dos preços de produtos e serviços para as famílias que ganham até cinco salários mínimos mensais.

Em 2020, a inflação medida pelo INPC chegou a 6,32% – 0,58 ponto percentual acima da inflação medida pelo IPCA. Em 2021, considerando janeiro e fevereiro, a alta de 1,87% e os alimentos subiram 1,5%.

“A inflação medida pelo INPC mostra que, enquanto a variação geral de preços deu na faixa dos 6%, a inflação dos alimentos no domicílio passa de 19%. Então o que pesa mais na cesta de consumo das pessoas mais pobres é justamente a alimentação”. Reginaldo Aguiar Supervisor do Dieese

“E a gente vê isso justamente em um momento em que as pessoas deveriam estar se alimentando melhor, aumentando as resistências do corpo frente à pandemia, esse item essencial dispara três vezes o valor da inflação e faz com que as pessoas, por falta de recursos, tenham que economizar em comida para fazer ajustes no orçamento”, lamenta Reginaldo Aguiar.

Conforme o IPCA, a alimentação tem peso de 24,4% na composição do índice. Já em relação ao INPC, o item tem peso de 27,8% na composição do índice.

Uma equação difícil

Na avaliação do professor do Departamento de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Almir Bittencourt, a situação está retrocedendo ao que se via na década de 90. Para ele, o valor pago por meio do Bolsa Família é insuficiente em um cenário de extrema dificuldade como o atual e de inflação alta.

“Nós estamos voltando a uma situação que se via na década de 90. Há um empobrecimento da população e paralisação da economia, com o Produto Interno Bruto (PIB) recuando sistematicamente e a dívida pública chegando a 90% de tudo que se produz”. Almir Bittencourt Professor do Departamento de Economia Aplicada da UFC

Ele lembra que, com a paralisação das empresas em decorrência do novo avanço da pandemia, a tendência é que a arrecadação continue a cair e pontua que o desemprego está aumentando. “É uma equação muito difícil, porque o Bolsa Família é pago com recursos da União”, destaca o professor.

A situação se retroalimenta, na visão de Almir Bittencourt. Ao passo que o desemprego cresce e a arrecadação tende a cair, multinacionais ameaçam deixar a economia brasileira em meio a encargos elevados e baixa considerável no consumo, tornando a permanência desses negócios difícil de sustentar.

“Empobrecimento geral. É esse o quadro. Essa é a hipótese se não houver uma reversão, uma forma rápida de saída dessa crise”, diz.

“É preciso uma solução que gere emprego e condição de renda, mas a situação não está permitindo isso e a economia está paralisada. A população precisa sobreviver e o Bolsa Família hoje atende uma fatia mais carente em busca dessa sobrevida, mas o programa não terá condições de suportar o forte crescimento da quantidade de gente desempregada, por causa da situação das finanças públicas”, explica o professor da UFC.

Defasagem do Bolsa Família

O pesquisador e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vitor Hugo Miro, frisa que, de fato, existe uma grande defasagem do valor de benefícios sociais em relação à inflação, considerando que o último reajuste do Bolsa Família foi em 2016.

“Essa defasagem realmente corrói o poder de compra das famílias mais vulneráveis, principalmente no que diz respeito aos itens de alimentação”, avalia.

Ele pontua que um dos grandes problemas identificados, com a redução do poder de compra das famílias mais vulneráveis, é o aumento na proporção de famílias que reportam algum tipo de insegurança alimentar.

“Antes mesmo da pandemia em 2020, já se observava um aumento na proporção de famílias que reportavam algum grau de insegurança alimentar, resultado da recessão econômica de 2015 e 1016 e do desempenho pífio entre 2017 e 2019. No contexto atual, espera-se que esse cenário se agrave ainda mais”, analisa Vitor Hugo Miro.

Conforme dados do levantamento realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan) em dezembro passado e publicados nessa terça-feira (6) em matéria do Diário do Nordeste, 19 milhões de pessoas passam fome no País.

Aumento da renda em 2020

Apesar da deterioração provocada pelo avanço do desemprego com o alastramento da pandemia, a renda dos mais pobres foi preservada e em alguns casos até aumentou com o pagamento do Auxílio Emergencial de R$ 600. Para 2021, com a nova versão do benefício, as perspectivas são preocupantes.

“Em 2021, a nova versão do Auxílio Emergencial terá valor menor e uma cobertura menor também, mas ainda assim será essencial para minimizar os problemas econômicos do cenário atual sobre as famílias mais pobres. Infelizmente, as expectativas para este ano é que se observe um aumento da pobreza”, avalia Miro.

Ele também explica que, além da atualização de valores dos benefícios, o cenário de recessão econômica resultou em um aumento da demanda pelo Bolsa Família.

“Dados do Ministério da Cidadania mostram um aumento no número de pessoas cadastradas no Cadastro Único, mas sem ainda receber benefícios do programa. Mesmo sendo um programa relativamente “barato”, em relação a alternativas de combate à pobreza, o grande entrave atual para sua expansão é o cenário fiscal, que está se deteriorando e sem muita perspectiva de reversão no curto prazo”, arremata o coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC.

Beneficiários

De acordo com o Portal da Transparência, 1,10 milhão de residentes no Ceará são beneficiários do Bolsa Família, considerando dados até 2020. Isso representa, conforme o próprio portal, 13,11% da população. De janeiro a dezembro do ano passado, foram pagos, por meio do programa, R$ 2,43 bilhões. A média anual por favorecido é de R$ 2,1 mil.

Em relação ao Auxílio Emergencial, foram 3,49 milhões de residentes no Ceará beneficiados com a ajuda financeira do Governo Federal, totalizando R$ 15,1 bilhões disponibilizados em 2020.

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Marcio Sousa

Editor chefe, Radialista profissional e Diretor de Programação da Taperuaba 98,7 FM

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