Alunos da rede pública criam canudo ecológico a partir da cana-de-açúcar no Interior
A matéria-prima é muito abundante na região e a produção contou com materiais que os estudantes ou a escola já possuíam. A ideia é desenvolvida ao mesmo tempo em que um Projeto de Lei para proibir a comercialização de canudos plásticos em todo o Ceará tramita na AL.
Uma estimativa do Instituto Akatu, ONG que estimula o consumo consciente, mostra que se os canudos de plástico consumidos no Brasil em um ano fossem empilhados daria para construir um muro de 2,10 metros de altura e 45 mil quilômetros de extensão, o suficiente para dar uma volta completa na Terra. Foi pensando em reduzir os impactos ambientais que alunos da rede pública de Carnaubal, no interior do Estado, desenvolveram um canudo ecológico e sustentável a partir da cana-de-açúcar.
O incentivo veio de Gilvânia Medeiros, professora de Biologia e gestora na Escola de Ensino Fundamental Cosme Rodrigues de Sousa. “Quisemos dar uma solução viável, simples e sustentável. Pensamos em várias alternativas usando plantas da região e a que encontramos foi a cana-de-açúcar. Ela é perfeita”, conta. Após isso, os alunos Antônio Robson do Carmo, Rafael França e Kaic Gomes, hoje no 9º ano, se empenharam em desenvolver o canudo natural.
No processo, as flores da cana, conhecidas como pendão (média de 1,20 metros), são cortadas em pedaços de 20 cm e colocadas ao sol por até 15 dias. Depois de limpos, podem ser usados. “Essa parte da cana, que é coletada durante o corte para venda, era descartada. Agora, ganhou uma grande utilidade”, acrescenta Medeiros. Qualquer pessoa pode coletar a matéria-prima e construir os canudos em casa, de forma simples e com materiais já disponíveis.
O projeto foi desenvolvido durante o ano de 2019 e, em dezembro, ficou em 1º lugar na categoria Pesquisa Júnior do Ceará Científico, ação de fomento à pesquisa nas escolas da rede pública cearense. “Quando nosso canudo se decompõe, já fica no solo para adubar”, defende Robson, um dos alunos participantes. “Além de estarmos ajudando o meio ambiente, estávamos nos divertindo, influenciando as pessoas e reaproveitando materiais”, acrescenta Kaic.
Materiais:
- Cana de açúcar in natura;
- Flor completa da cana de açúcar;
- Objeto cortante/lâmina;
- Régua;
- Luvas; e
- Roupa adequada para coleta.
Meio Ambiente
A principal vantagem dos canudos é ter um menor tempo de decomposição. Enquanto o “tradicional” pode passar “centenas de anos na natureza”, o biosustentável leva entre 3 a 5 meses para se decompor. “Uma vez descartado incorretamente, o plástico chega aos ecossistemas marinhos e terrestres, causando danos aos animais e modificando características naturais. Morrem mais de 100 mil animais marinhos por ano por conta disso”, pontua o engenheiro ambiental, Marcos Vinicius.13 milhõesSegundo a Organização das Nações Unida (ONU), este é o número de toneladas de plástico que acabam nos oceanos a cada ano.
O especialista acredita, ainda, que os impactos causados pela produção de plástico começa “desde o momento da produção”. Os compostos polipropileno e poliestireno, que compõem a maioria dos descartáveis, “são derivados do petróleo, uma fonte não renovável”. No ambiente urbano, os canudos podem, também, acumular-se junto a outros resíduos em galerias de esgotamento sanitário, “causando entupimentos e inundações”.
Segundo ele, projetos como o de Carnaubal são fundamentais para gerar o processo de conscientização na população e empreendedores.”O mais interessante é que se buscou materiais de maior abundância na região, pois cada localidade tem uma realidade diferente da outra e a sustentabilidade deve ser adaptável a cada realidade. Não existe uma fórmula universal”.
Projeto de Lei
Desde 2019, tramita na Assembleia Legislativa do Ceará um Projeto de Lei (PL) dos deputados Marcos Sobreira (PDT) e Renato Roseno (Psol) para proibir os canudos plásticos em todo o Estado. Em Fortaleza, uma Lei Municipal com a proibição já está em vigor. “Precisamos ter uma legislação do plástico em geral. Estamos trabalhando uma ideia juntamente com o empresarial para estimular o reúso das embalagens”, analisa o secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno.”Somos favoráveis que a legislação, são só no Ceará mas em todo o Brasil, proíba o canudo plástico. Porém, mais importante do que a própria Lei é a sua eficácia. É preciso uma nova mentalidade de consumo. Estamos tentando fazer isso com o Selo Empresa Sustentável, que premia empresas com boas práticas de densenvolvimento sustentável. É uma boa alternativa”.
Vinicios concorda com esta visão e afima que a Lei deve ser um passo inicial. “Devemos focar em um processo educacional de mudanças de atitudes e questionamentos sobre nosso modo de vida”, aponta. Segundo ele, é preciso criar condições econômicas viáveis para esta produção.”Quando aparecem alternativas sustentáveis, os valores de aquisição são maiores, como no caso dos canudos “ecológicos” e as sacolas biodegradáveis, que muitas vezes temos que comprar nos supermercados”.
Tramitação
Segundo a assessoria do deputado Renato Roseno, o Projeto de Lei já foi apreciado nas comissões e aprovado, mas duas emendas aguardam votação na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia. “São urgentes as propostas que buscam auxiliar na mudança de hábitos que prejudicam o meio ambiente. Atualmente, no mercado há opções ambientalmente corretas que podem perfeitamente substituir esse plástico nos canudos“, afirma o deputado Renato Roseno.
A situação das duas emendas persiste desde o final do ano passado. Quando votadas, o texto irá a Plenário. Se aprovado, os estabelecimentos comerciais terão um ano para se adaptar à medida e o descumprimento sujeitará a aplicação de multas.
Experiência
Mesmo não sendo obrigatório, os empreendedores Thiago Mota, do Feed Gastrobar, em Juazeiro do Norte, e Macilene Xavier, sócia-fundadora do Terraço São Bento, localizado no Crato, apostaram na saída ecológica como estratégia de negócio.
“O canudo que uso é feito de macarrão, comestível. A gente iniciou em setembro do ano passado e, como nosso público é muito consciente, temos uma boa aceitação”, aponta Thiago. Ainda assim, ele afirma que a opção se baseou em uma visão ecológico que não considera apenas os aspectos econômicos. “Pelos custos, é mais barato ter os canudos de plástico, mas optei por trabalhar com o macarrão para ter essa economia ecológica”. Ao saber do projeto em Carnaubal, o empreendedor se interessou pela ideia.
Já o Terraço São Bento, em Crato, aboliu o plástico em agosto de 2018 e passou a ofertar os canudos biodegradáveis – de papel, de macarrão e de gelatina. “Sempre nos incomodou muito a quantidade de resíduos plásticos que produzíamos ao final de cada noite de trabalho. Tivemos um aumento no custo, mas, em contrapartida, o meio ambiente teve um ganho enorme”, acrescenta Xavier. “A aceitação por parte dos nossos clientes foi muito boa”.
Apoio
A urgência pelas iniciativas foram um incentivo a mais para produção dos canudos em Carnaubal. “Aqui na cidade, sugerimos à algumas lanchonetes, que apoiaram e disseram que utilizariam o canudo feito da cana”, conta Medeiros, professora que orientou o projeto. Porém, ela reconhece que não possuem equipamentos e recursos financeiros para patentear a ideia e produzir em larga escala.”Buscamos, além de divulgar esta excelente ideia, que melhora a nossa vida e a do nosso planeta, torná-la nossa”, finaliza.
Aprenda a fazer em 5 passos:
- Fazer a coleta das flores da cana-de-açúcar no ponto adequado, ou seja, madura;
- Averiguar a qualidade do material coletado;
- Cortar os pedaços, medindo com a régua em tamanhos iguais;
- Colocar os canudos cortados ao sol pelo período de 10 a 15 dias para desidratá-los;
- Fazer a limpeza dos canudos para, em seguida, empacotá-los para uso.
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