Com 35% dos imóveis vazios, área central de Fortaleza tem 6,6 mil moradias desocupadas, aponta Censo
Dados do Censo 2022, por setores censitários, indicam que a região central da Capital, com quase 100% do território do Centro
Um bairro bastante movimentado, dotado de infraestrutura e serviços, mas com características específicas e desafiadoras, como abrigar um grande volume de edificações históricas, ter lotes pequenos para construções e uma intensa movimentação durante os dias paralela ao esvaziamento nas noites e fins de semana. Esse é o Centro de Fortaleza que, há décadas, assim como os bairros centrais de diversas metrópoles mundo afora, se depara com uma condição problemática: o aumento dos imóveis vazios.
Dados do Censo 2022 divulgados em março, a partir dos setores censitários, indicam que a área central de Fortaleza, incluindo quase 100% do território do Centro, o pequeno bairro Moura Brasil e uma reduzida parte da Praia de Iracema, tem 18,9 mil moradias particulares, das quais 6,6 mil não estavam ocupadas quando o Censo foi realizado. A proporção chega a 34,95% do total de domicílios particulares dessa região.
Em março de 2024, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou dados preliminares por setores censitários referentes aos domicílios, ou seja, informações a partir de pequenos recortes das cidades onde os recenseadores realizaram entrevistas. Na área central de Fortaleza, o Censo apontou a seguinte realidade:
- Total de pessoas: 30.158
- Total de domicílios: 18.997
- Total de domicílios particulares: 18.900
- Total de domicílios coletivos (abrigos, albergues, asilo, orfanato, quartel): 97
- Domicílios particulares ocupados: 12.293
MORADORES DO CENTRO
É no Centro que a aposentada Sara Maria Costa da Silva, de 68 anos, reside desde o início da infância. Na Vila Diogo, um pequeno logradouro entre a Av. Duque de Caxias e a Rua Pedro I, ainda predominam as casas, e é lá que Sara mora há 19 anos. Antes, já passou por outros locais do Centro, como a Rua Major Facundo. “Gosto daqui porque é tudo perto, resolvo tudo o que preciso a pé mesmo”, relata.
Na casa revestida de azulejos marrons, de frente estreita e porta e janela para a rua, ela vende lanches pela manhã para lojistas, advogados, comerciantes e transeuntes que passam rumo às lojas e prédios comerciais do bairro, e relata que os atrativos de morar no Centro são paradoxalmente também obstáculos para muitos.
A tranquilidade, em determinados horários, também é encarada como esvaziamento que por efeito gera sensação de insegurança, sobretudo, no horário noturno e nos fins de semana, relata. “Mas hoje em dia, onde é que é completamente seguro? Só que aqui tem disso mesmo. Nos fins de semana para tudo e fica mais esquisito. Eu já estou acostumada, mas nem todo mundo acha bom”, completa.
A alguns metros dali, na Rua Padre Mororó, o músico aposentado José Geroldo Pontes Sampaio, 70 anos, ainda reside na casa em chegou quando tinha 5 anos. Entre ida e vindas, são 65 anos de relação com o imóvel que era dos pais e, pouco a pouco, foi tornando-se seu. A casa, de fachada estreita e 55 metros de fundo, tem muro baixo, pintura desgastada e evidencia traços dos imóveis históricos do Centro.
“Eu acordo cedo, tomo café numa banquinha aqui perto. Depois fico com amigos por aqui. No final da tarde sempre tem movimento de pessoas saindo da faculdade, vindo pegar o ônibus aqui na frente. Eu fico ali na frente entre 17 horas e 19 horas como companhia para quem fica lá, principalmente, as mulheres que esperam porque vez ou outra tem essa questão de assaltos”, conta. A parada de ônibus fica exatamente na frente do imóvel.
Na rua, relata, três ou quatro casas ainda conservam famílias que moram há mais de 40 anos nos mesmos locais. As demais “alugaram, venderam ou morreram”, completa. Apesar da relação afetiva com a residência, Geroldo, que tem 6 filhos e mora sozinho, admite que a manutenção de um imóvel tão grande e antigo é difícil. Os planos para um futuro breve, conta: “é vender o imóvel e morar em uma quitinete”.
IMÓVEIS DESOCUPADOS
Os dados divulgados pelo IBGE mostram que no Censo 2022, Fortaleza teve o território dividido em 12 subdistritos. Neles, dos 1.034.146 de domicílios particulares, 16,77% estão desocupados.
Nessa divisão, os 121 bairros estão enquadrados e não há ainda dados disponíveis de forma isolada por cada um deles. No levantamento, o IBGE considera como domicílio todos os locais construídos ou utilizados com a finalidade de moradia.
No caso da área Central, cuja divisões englobam quase 100% do território do Centro, o pequeno bairro Moura Brasil e uma parte reduzida da Praia de Iracema, são referências de limite desse território que é considerado um subdistrito, as ruas: João Cordeiro, Padre Valdevino/Antônio Pompeu, Padre Ibiapina e a orla.
O geógrafo Alexandre Queiroz Pereira, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colunista do Diário do Nordeste, explica que o dado censitário demonstra a manutenção de um quadro já destacado pelos pesquisadores, analistas e por censos anteriores, que é o enfraquecimento da função residencial a área central da cidade.
“Permanece essa tendência que não é só de Fortaleza, do Nordeste ou do Brasil, o esvaziamento da função de moradias nos chamados centros históricos”, diz. Ele destaca que “o mercado imobiliário acaba ditando muitas tendências e o que se observa em função das ações do mercado imobiliário são ações que vão na direção oposta: o fortalecimento de zonas residenciais tradicionais, como orla, novos bairros de classe média e os condomínios nas franjas metropolitanas. Para o Centro, esperar essa ação do mercado imobiliário está difícil”.
ALEXANDRE QUEIROZ PEREIRA
Professor do Departamento de Geografia da UFC
O professor também destaca que a subutilização de infraestrutura nessa área central, cujo custeio é em grande parte bancado por recursos públicos, gera prejuízos à coletividade.
“A cidade acaba ficando desequilibrada. É nesse ponto que a cidade perde. O objetivo sempre é ter o local de moradia com condições adequadas de infraestrutura, de mobilidade, de equipamentos e você tem um centro com grande parte desses serviços e que está sendo subutilizado”, reitera o arquiteto e urbanista, conselheiro Estadual do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/Ceará) e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Rérisson Máximo.
Ele chama atenção também para o fato de a região central de Fortaleza não ser um “lugar árido”, mas que, no decorrer dos anos, viu a dinâmica de ocupação se transformar.
“Uma pista para entender esse patamar elevado tem a ver com o movimento de outras áreas de expansão tanto em Fortaleza, como na Região Metropolitana. O período que o censo foi feito teve outros centros de expansão, como a Maraponga e Messejana, áreas que eram ocupadas por terrenos de maior dimensão e passaram a ter edificações residenciais, apartamentos, para classes de média renda. Tanto em Fortaleza como na Região Metropolitana”.
RÉRISSON MÁXIMO
Conselheiro Estadual do Conselho de Arquitetura e Urbanismo e professor do IFCE
O QUE PODE SER FEITO?
Em Fortaleza, a Prefeitura chegou a lançar em fevereiro de 2019, a Pesquisa de Interesse Habitacional no Centro de Fortaleza para ter dimensão da quantidade de pessoas motivadas a residir na área da Capital. Mas, essa ação não tem continuidade.
Questionada sobre a repercussão dessa pesquisa e se houve algum desdobramento na atual gestão, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) não respondeu diretamente. Em nota, apontou que “a Prefeitura tem se empenhado para garantir estratégias que possam promover o uso dos imóveis vazios e/ou subutilizados do Centro”.
Uma das medidas já adotadas desde 2013 é a concessão de isenção de 50% do valor do IPTU para imóveis residenciais e de 20% para imóveis não residenciais no Centro. Segundo a Habitafor, o município também estuda a possibilidade de uma legislação específica para viabilizar reformas e construções na área central. Mas, como desafio, a gestão aponta “a negociação e o acesso a imóveis com potencial para implantação das propostas”.
Para o arquiteto Rérisson Máximo, a situação também é reflexo “da falta de uma política habitacional voltada para o Centro”. “Temos um plano local de habitação de interesse social, mas não foram implementadas políticas de habitação para o centro”, completa.
Um instrumento jurídico aplicado em São Paulo, diz o arquiteto, chamado Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória (PEUC) é previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) e “poderia ter sido implementado pela Prefeitura de Fortaleza para estimular que os imóveis vazios sejam ocupados”.
O PEUC busca induzir os proprietários de imóveis ociosos a promoverem o adequado aproveitamento do lote, evitando a degradação do próprio imóvel e do entorno. No caso, a Prefeitura de São Paulo notifica o proprietário e o mesmo tem um ano para demonstrar à Prefeitura o aproveitamento da edificação. Enquanto o imóvel está ocioso, a alíquota do IPTU aumenta a cada ano sucessivamente, até o limite de 15%.
Rérisson explica que as ações de estímulo à reocupação dos domicílios do Centro precisam considerar tanto os donos dos imóveis, com o uso do PEUC, por exemplo, e também os moradores interessados, dotando a área de equipamentos, serviços e observando a dinâmica de esvaziamento à noite e nos fins de semana.
O professor Alexandre Queiroz acrescenta que: “há uma série de questões no Centro porque tem um mobiliário diferenciado de produção de imóveis que precisaria de uma política de incentivos fiscais e redefinição na lei de uso e ocupação do solo”.
Uma ação considerada interessante por ele é a produção do aluguel social. “Uma lógica que não precisaria esperar a venda dos imóveis. A ideia de requalificar os imóveis, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) faz em São Paulo, refuncionalizar os imóveis e produzir um aluguel mais barato”, propõe.
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