90% dos policiais mortos no Ceará nos últimos seis anos estavam de folga
O ano corrente já teve dois casos. Socióloga e policial militar alertam sobre o risco de reagir a assaltos, até para agentes de segurança
O ano de 2022 começou com a morte de dois agentes de segurança que estavam de folga e a paisana, no Ceará. Um cenário que se repete a cada ano. Desde 2017, 90% dos policiais assassinados no Estado não estavam de serviço: são 56, de um total de 62 vítimas, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).
No último caso registrado, o soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) Antônio Cardone Rodrigues reagiu a uma tentativa de assalto, trocou tiros com os criminosos, foi baleado e não resistiu, no bairro Quintino Cunha, em Fortaleza, no dia 31 de janeiro. Em horário de folga, ele estava acompanhado da namorada, que também foi baleada, mas socorrida a tempo. Um suspeito morreu no tiroteio e o outro, um colega de farda da vítima, o PM Gustavo Henrique Freitas, foi preso na última sexta-feira (11).
Já o escrivão da Polícia Civil do Ceará (PCCE) Edson Silva Macedo foi executado dentro da sua própria casa, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), no dia 8 de janeiro deste ano. Conforme a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), membros de uma facção criminosa que costumavam invadir a residência – que não era utilizada pelo proprietário – armaram uma emboscada para roubar a arma do policial e matá-lo. Quatro suspeitos foram acusados pelo crime.
A socióloga e pesquisadora da Rede de Observatórios da Segurança e do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Letícia Lins, reforça que “a maior parte (dos policiais) são assassinados quando estão de folga, ou seja, em sua maioria, os policiais no Ceará não estão morrendo durante operações do exercício da função”.
Apesar de a SSPDS não distinguir quantas mortes ocorreram em assaltos, pesquisas da Rede de Observatórios da Segurança apontam que a maioria dos crimes que têm policiais como vítimas são latrocínios. “O que percebemos, durante o monitoramento da Rede, é que esses policiais também são vitimados em situações de reação a assaltos, sejam eles diretamente as vítimas ou apenas presenciem esse tipo de crime”, destaca Ana Letícia.
“Nota-se nessas situações que estar armado e reagir, mesmo sendo um profissional treinado, não garante que essa pessoa terá sempre êxito na ação, ou seja, que ela vai interromper o crime e nada irá acontecer. Em um cenário de recorrência de crimes nas ruas, os policiais também estão expostos a presenciar essas situações”. Ana Letícia Lins Socióloga
Um policial militar ouvido pela reportagem, que pediu para não ser identificado, corrobora que a reação ao assalto é perigosa para o agente de segurança. “Quando um criminoso vai fazer um assalto, como esse último que matou o nosso companheiro, ele não sabe que a vítima é um policial. O problema, que leva a 90% de policiais mortos na folga, é porque ele reage”.
“As estatística e os especialistas na área de segurança são bem claros, e você aprende isso na Academia de Polícia Militar: quando você reage, a vantagem é do fator surpresa, que é o criminoso. O bandido tem a cobertura. O policial está sozinho. Então é por isso que morre. Não porque ele é policial. Mas porque ele reagiu.” Policial militar Identidade preservada
O PM acredita que o policial, quando está de folga, “pode e deve andar com a arma (funcional) dele”. “O que eu estou dizendo (que é problemático) é a reação. Para você ter uma ideia, uma vez eu fui assaltado de folga e eu não reagi. Lá na frente, eu peguei os suspeitos. Se eu tivesse reagido, eram três assaltantes, eles tinham me matado”, conta.
Um policial civil acredita ainda que há agentes de segurança que são alvos de ataques criminosos em razão do envolvimento com a criminalidade e de “acertos de conta”. “Tem policiais que são envolvidos com o crime e ‘passam a perna’ nos criminosos ou ficam os extorquindo, forjando flagrante. Se o policial morar na região que trabalha é um risco enorme”, pontua.
Casos elucidados pela Polícia Civil
De acordo com a SSPDS, todos os 62 casos em que policiais foram mortos no Ceará, desde 2017, foram elucidados pela Polícia Civil: com motivação e autoria identificados. O ano coincide com a criação da 11ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), unidade especializada em investigar crimes dolosos contra a vida e latrocínios praticados em desfavor de agentes de segurança pública do Estado.
Também após a criação da Delegacia Especializada, foram registradas quedas no número de agentes de segurança mortos no Estado, de 59,2%, no comparativo de 2017 com 2018; e de 81,8%, de 2018 para 2019. No ano seguinte, esse número aumentou mais de cinco vezes (450%). E, em 2021, voltou a cair (18,1%).
Confira os números:
- 2017: 27 agentes mortos (25 estavam de folga)
- 2018: 11 agentes mortos (todos estavam de folga)
- 2019: 2 agentes mortos (todos estavam de folga)
- 2020: 11 agentes mortos (9 estavam de folga)
- 2021: 9 agentes mortos (7 estavam de folga)
- 2022: 2 agentes mortos (todos estavam de folga)
- Total: 62 agentes mortos (56 estavam de folga, ou seja, 90,3%)
Os policiais militares Thiago Araújo do Nascimento e Diego Oliveira Martins e o policial penal Manoel Janay Lopes de Oliveira foram alguns dos agentes de segurança que perderam a vida em assaltos, enquanto estavam de folga, no ano de 2021. Thiago não teve tempo nem de reagir, acabou executado pelos criminosos ao ser reconhecido como PM.
Também no ano passado, o policial penal Glauber Monteiro Peixoto foi assassinado de serviço em um presídio na RMF, por um colega de trabalho, que depois cometeu suicídio, na Capital. Enquanto o cabo PM Carlos Eduardo Pinheiro Gurgel estava de serviço a pé, quando foi acionado por populares para um assalto e, ao chegar no local, foi baleado e morto, em Fortaleza.
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